Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

26 janeiro 2009

uma posição judaica MORAL sobre a questão palestina

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Continuo insistindo com a questão de Gaza neste meu blog, apesar de não ser nem judeu nem palestino, pois se trata de uma questão da humanidade inteira, quando se tem consciência. Como escrevi no meu perfil do orkut:
 
Não relaxe ainda, caro Mundo! Não tire Gaza dos olhos
até entendermos que nenhuma prepotência pode ser tolerada
entre nós teus filhos
 
O jornalista Gideon Levy continua se mostrando uma das vozes mais responsáveis, sóbrias e sábias dentro do povo judeu da atualidade.  Grito que é a gente como ele que seu povo precisa ouvir, se quiser que a existência de um Estado de Israel seja aceitável por uma humanidade madura, livre, responsável, que superou as crendices e superstições que serviam de base para maquiar interesses dos mais primitivos e imorais apresentando-os como se fossem "vontade de Deus".    (Ralf)
 

 
 
26/01/2009 | Copyleft
 

O próximo passo

A situação do povo palestino e as consequências do recente ataque de Israel a Gaza fazem parte da pauta de debates do Fórum Social Mundial. Em artigo publicado no jornal Haaretz, o jornalista Gideon Levy apresenta uma proposta da esquerda israelense sobre o tema: "Gaza precisa de uma passagem para o mundo, e essa passagem tem de passar por Israel. As negociações têm de visar ao estabelecimento de um Estado Palestino, nas fronteiras de 1967. E Israel tem que falar com o Hamas. Imediatamente", escreve.

A vasta maioria festejou aos gritos, uma minoria muito pequena gritou em silêncio, como um assovio na escuridão. A imensamente dominante maioria só queria mais e mais, a minoria muito pequena só queria que aquilo parasse. A absoluta maioria gargalhou, encomendou pizzas e filmes com cenas dos bombardeios, e muitos subiram aos telhados próximos à fronteira de Gaza, com os filhos, para assistir ao massacre com seus próprios olhos. Uma mínima maioria tentou protestar, encolhida de vergonha e de culpa, a cada nova imagem que chegava de Gaza.

Nunca antes, desde o verão de 1967, viu-se tão eficaz lavagem cerebral, e tal coro tão uniformemente manipulado – e voltou então o coro nacionalista bestial, insensível, cego. Mas agora, a poeira baixou nas ruínas, e não há bandagem suficiente para cobrir todas as chagas; os cemitérios cheios, os hospitais lotados; os feridos, os quebrados, os incapacitados, os amputados, os aleijados, os traumatizados, os enlutados, os milhares de feridos e as dezenas de milhares de novos desabrigados e sem-teto tentam reabiitar o que possam. Agora, é tempo de elaborar sobre alguma alternativa à guerra mais brutal e mais cruel de toda a história de Israel, e a mais completamente desnecessária.

Primeiro, há um caminho que Israel jamais quis trilhar. Nem Oslo nem a retirada de 2005 foram suficientes. Sendo a guerra sempre o meio preferido e a violência sem freio, Israel praticamente sempre falou pela força, só a violência, como única linguagem. Pela força e por golpes, Israel fez a guerra, mais uma guerra. A força veio do exército; os golpes, da imprensa. Qualquer via alternativa foi sempre condenada.

Segundo, nunca é possível reconstruir, seja o que for, a partir só do que se ouve num determinado instante. Temos de lembrar o contexto, e o contexto sempre foi distorcido, a ponto de ter-se tornado irreconhecível.

O cessar-fogo com o Hamas foi firmado dia 19/6/2008. Foi recebido com frieza em Israel e com o azedume com que se recebem movimentos políticos. Ehud Olmert disse que seria "frágil e de curto-prazo", como profecia feita para se autocumprir. Nos meses seguintes, Israel foi intoxicada pelos mais aterrorizantes relatórios e análises dos serviços de segurança, sobre o quanto o Hamas se estaria armando, sobre os danos causados pelo cessar-fogo, pelos perigos que ameaçavam os israelenses por causa do cessar-fogo e sobre o quanto o Hamas, só o Hamas, beneficiava-se com o cessar-fogo.

Apagou-se do mundo o fato de que os moradores do sul de Israel viveram tempos de sossego, praticamente sem nenhum Qassam. As centenas de túneis em Rafah, a maiorias dos quais traziam oxigênio para Gaza sitiada – à qual, mesmo quando se abriam os postos de fronteira, Israel sempre proibiu a chegada dos bens indispensáveis à vida, cadernos para as crianças, cimento para construir – foram descritos em Israel como se existissem exclusivamente para o contrabando de armas: túneis demoníacos, pelos quais teria passado tudo que, de algum modo, se assemelhasse a armas nucleares.

A nua verdade sobre o que estava sendo contrabandeado pelos túneis só foi conhecida na guerra: pouca, parca, fraca munição.

O acordo de cessar-fogo, é preciso lembrar, incluía que Israel abriria os postos de fronteira. Depois de assinado o acordo, Israel decidiu que os postos de fronteira permaneceriam fechados, porque a passagem de Karni seria "inadequada".

Depois, começou o método "zipper": fechavam-se os postos de passagem depois de cada rojão Qassam, o velho método do chicote-e-cenoura. Sim, claro que houve Qassams e morteiros – poucos, desnecessários, improdutivos, errados, estéreis – que deveriam ter sido relevados com sabedoria. A cada evento, uma nova e maior violação do acordo de cessar-fogo, por Israel, que incluiu invasão por terra, dia 4/11/2008, para explodir uma casa e um túnel e para assassinar seis homens do Hamas – e que foi completamente ato de guerra de Israel a Gaza.

Depois disso, tudo se deteriorou muito rapidamente, como Israel previa, como Israel aparentemente quis que acontecesse.

Ainda que não se incluísse na discussão uma única palavra sobre o contexto amplo, histórico – os refugiados que vivem em Gaza desde 1948, o que os torna refugiados de guerra e os 40 anos de ocupação em Gaza, desde 1967 – o contexto a ser considerado hoje tem de incluir, necessariamente, o sítio e o boicote que Israel e a comunidade internacional impuseram (i) ao Hamas, partido que chegou ao poder mediante eleições perfeitamente democráticas, em janeiro de 2006; e (ii) também contra o governo palestino de unidade nacional estabelecido em março de 2007.

Tudo isso aconteceu antes de o Hamas assumir o controle de Gaza, pela força, por golpe, depois de não conseguir instituir-se como poder democrático, nascido de eleições democráticas, pelo tipo de oposição que lhe fez o partido Fatah. Todo esse curso de eventos teria de ter sido conduzido de outro modo, mas, então, o leite e o sangue já estavam derramados.

Nem o Hamas deveria ter sido boicotado, nem Gaza deveria ter sido sitiada. Israel nada ganhou nem com o boicote nem com o bloqueio. O resultado está aí, a vista de todos: estamos olhando para ele.

Desde a questão com a OLP (Organização de Libertação da Palestina), há anos, o rejeicionismo israelense nada trouxe de bom; só trouxe mais e mais violência, novos ciclos de violência e de radicalização, tanto dos palestinos quanto dos israelenses.

Hoje, o Hamas é mais forte do que era antes da guerra; a guerra sempre fortalece os extremismos, de todos os lados, o deles e o nosso. Depois a OLP converteu-se em Hamas e hoje é Jihad Mundial. Gaza não se tornou "moderada", como interessaria a Israel; está sangrando, devastada, e Israel nada lhe ofereceu, até hoje.

O sítio de Gaza fracassou, o bloqueio só trouxe danos, mesmo que se ignorem todos os seus aspectos ilegais e imorais. Agora, em vez de bloqueio – que a legislação internacional define como "castigo coletivo" e considera crime –, Israel está obrigada a abrir todas as passagens de fronteira. Abri-las, não fechá-las. Abri-las para a passagem de artigos de primeira necessidade, é claro, sim, e abri-las para a passagem de pessoas. Hoje. Abertura controlada, como em todas as fronteiras do mundo, mas abri-las.

Gaza precisa de uma passagem para o mundo, e essa passagem tem de passar por Israel. Israel não pode continuar a fingir que não ocupa Gaza há 40 anos, como se a ocupação não tivesse jamais existido e, agora, 'entregar' Gaza aos egípcios. O destino de Gaza é responsabilidade de Israel.

Passagens de fronteira desimpedidas e uma via livre de acesso aos territórios ocupados da Cisjordânia e com o mundo é um dos direitos básicos dos habitantes de Gaza.

Hoje, o primeiro-ministro de Israel, qualquer primeiro-ministro, todos os primeiros-ministros, têm de abrir diálogo com a Palestina, com toda a nação palestina. Não apenas mais um diálogo, diálogo por diálogo, como o escritor David Grossman sugeriu essa semana no Haaretz – Israel já consumiu sua quota de falsos diálogos – mas negociações práticas, com objetivo, determinadas, com o claro e declarado objetivo de pôr fim à ocupação. Assim se demonstraria o "poder de contenção", a mais importante de todas as promessas e de todas as soluções.

As negociações, agora, têm de visar ao estabelecimento de um Estado Palestino, nas fronteiras de 1967, que são as máximas fronteiras legais de Israel e as fronteiras mínimas, legais, da Palestina. Deve parar hoje a construção de qualquer colônia. Devem-se tomar as medidas necessárias para evacuar todas as colônias da face da terra.

Basta de conversas rasas e ocas sobre se Israel estaria "preparada" para a Solução dos Dois Estados. Basta de exibir pesquisas que mostram que isto ou aquilo seria "o que a maioria dos israelenses" deseja ou não deseja. Basta de repetir o que tantos políticos e diplomatas teriam algum dia dito, contra ou a favor do Estado da Palestina. É hora de fazer acontecer o Estado da Palestina.

De nada adianta falar com o presidente Mahmude Abbas (Abu Mazen) e, ao mesmo tempo, prosseguir a construção de mais uma colônia em Modi'in Ilit. É impossível continuar a falar só com Mahmude Abbas, porque ele é ontem, é o homem de ontem para os palestinos e só representa uma pequena parte dos palestinos.

Hoje, Israel tem que falar com o Hamas. Imediatamente. Pelo menos, tem de tentar falar com o Hamas.

Também no Hamas há homens prontos a por de lado sonhos de ontem e visões do futuro, em nome de construir um presente melhor.

É hora de libertar os prisioneiros, as centenas de prisioneiros, uns prisioneiros políticos, outros prisioneiros de guerra. Eles também têm de poder manifestar suas esperanças nacionais, hoje.

E também, imediatamente, Israel tem de dizer "Sim" à Síria, imediatamente, antes de que também esse momento propício seja desperdiçado: a paz, em troca das colinas de Golan. Hoje. É possível fazer a paz com a Síria, mediante negociações.

Ao mundo árabe, Israel tem de dizer: queremos discutir a iniciativa saudita.

À comunidade internacional e aos próprios israelenses, Israel deve declarar: erramos; cometemos o pecado de matar, por arrogância, nessa guerra; e pedimos perdão, do fundo do coração. Mas nem isso adiantará, se Israel não mudar, radicalmente, a direção do seu modo de pensar e de operar no mundo.

Precisamente a partir dessa guerra horrenda, Israel pode começar a mudar. A partir do luto, das ruínas, dos feridos. Basta.

Israel já provou seu prodigioso – talvez prodigioso demais – poder militar, inúmeras vezes, prodígio sobre prodígio, e o quanto Israel não tem nenhum poder de autocontenção.

Israel já provou que "o meu é maior", mais violento, mais mortífero. É possível mudar de direção agora, depois dessa guerra terrível, horrenda, tanto quanto, depois da Guerra do Yom Kippur foi possível fazer a paz com o Egito (paz que também poderia ter sido alcançada sem guerra).

Mas Israel sempre se repete: concessões, se alguma, só depois de banhos de sangue.

Levantar o sítio de Gaza, pôr fim ao bloqueio, dialogar com o Hamas, paz com a Síria, aceitar a iniciativa árabe – esses são passos práticos.

Mas, antes disso, tem de acontecer uma mudança de fundo, em Israel. Depois de décadas de demonização e desumanização dos árabes, é tempo, hoje, de reconhecer que são como nós, exatamente como nós, iguais a nós. Têm sentimentos, sonhos e direitos. Essa consciência humana basal é que foi apagada em Israel. Sem ela, Israel fracassará; com ela, tudo voltará a ser muito mais alcançável.

Por anos, a direita israelense banqueteou-se de palavras ocas e nada respondeu à mais simples das perguntas: Então, o que fazer?

Como estarão as coisas daqui a 20, 30 ou 50 anos? Então, os palestinos já serão maioria "entre o rio e o mar".

E a direita de Israel nada tem a dizer ou fazer. Nada, nenhuma resposta que não seja a guerra.

A esquerda tem resposta – que aqui escrevi. E os israelenses da "opinião pública" voltarão a condenar a esquerda ao ostracismo, ridícula esquerda, vão ignorá-la, vão acusá-la de ser "ingênua" ou acusarão a esquerda de "traição".

Que pelo menos ninguém diga que a esquerda de Israel não sabe o que propor, que não vê caminho e que não tenha posto o pé na rua, no caminho que vê – o caminho da paz, não da guerra – completa e sinceramente.

Gideon Levy é jornalista israelense. Publicado originalmente no jornal Haaretz (23/01/2009)

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