Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

20 janeiro 2010

14 janeiro 2010

quem aqui já conhece HINKELAMMERT?

Num artigo do sempre pertinente Jung Mo Sung numa publicação chamada Educação & Psicologia 1 (vendida em bancas), fiquei conhecendo ontem o pensamento de Franz Hinkelammert - economista, filósofo e teólogo de esquerda, nascido em 1931 na Alemanha, vivendo na América Latina há mais de 30 anos.

Estou até encabulado de confessar que não conhecia, pq o pensamento dele parece EXTREMAMENTE relevante & equilibrado. Ainda preciso lê-lo diretamente, mas pela rápida busca que fiz chega a parecer que é O autor que estava me faltando.

Por isso, não posso deixar de perguntar aqui nas nossas listas se alguém já conhecia - e, nesse caso, se tem alguma coisa a compartilhar sobre ele.

Abração,
ZéRR

06 janeiro 2010

O achado de Clóvis Rossi: um princípio definitivo sobre a diferença esquerda/direita frente à anistia

Provavelmente ninguém ainda tinha conseguido apontar de forma tão enxuta, contundente e definitiva a inconsistência da argumentação da direita na polêmica da anistia aos crimes da época militar -- e, de modo não pouco surpreendente, quem acaba de fazê-lo foi o jornalista Clóvis Rossi, totalmente insuspeito de ser algum militante de esquerda.
 
Destaco em azul o trecho, logo no início, que me parece destinado a permanecer como um "princípio de doutrina" a não ser desconsiderado nunca mais em nenhuma reflexão séria sobre a História do Brasil pós 1960. Mas também o restante do texto, que trata da famigerada Operação Condor, precisa ser conhecido - e como saiu em área de acesso restrito compartilho aqui na íntegra.  (Ralf)
 

 
 
Sobre verdades e venenos
Clóvis Rossi - Folha de S.Paulo, 02.01.2010

A COMISSÃO da Verdade, proposta pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, bem que poderia começar procurando a verdade nos argumentos contra ela esgrimidos pelos comandantes militares. Não vai encontrar.

O argumento mais popular, a julgar pelo Painel do Leitor de ontem desta Folha, é o de que a proposta quer investigar os abusos de um lado (o dos militares) e ignorar os do outro (os militantes da esquerda armada). Ou é desinformação ou má-fé.

Todos os abusos da esquerda armada foram punidos. Alguns, na forma da lei. Outros, muitos, à margem da lei, por meio de assassinatos, torturas, exílio, banimento, desaparecimentos.

Já os abusos praticados pelo aparato repressivo não foram nem investigados, com pouquíssimas exceções.

Para ficar apenas no âmbito mais próprio para este espaço, o internacional, está mais do que na hora de buscar a verdade sobre a Operação Condor, o mecanismo repressivo multinacional armado pelas ditaduras militares do Cone Sul, nos anos 70/80.

Deve haver, escondido em algum arquivo bem protegido, um documento assinado por chefes militares da época anulando a soberania de cada país para que militantes da oposição às ditaduras pudessem ser caçados livremente.

Eu mesmo andei atrás desse papel, quando estava para cair a ditadura boliviana da época (começo dos 80), a primeira brecha que se abriria para ter acesso a arquivos oficiais. Um coronel, que fazia a ligação entre o candidato presidencial Hernán Siles Zuazo e as Forças Armadas, me disse que teria, sim, que haver um documento oficializando, digamos assim, a Operação Condor.

Pena que um novo golpe adiou a vitória de Siles, e perdi a pista.

Ainda nesse terreno de repressão internacional, a nova comissão poderia procurar a verdade sobre o envenenamento de opositores à ditadura de Augusto Pinochet. No domingo, o jornal espanhol "El País" fez um belo levantamento sobre a morte, por aparente envenenamento, do ex-presidente Eduardo Frei Montalva, pai de Eduardo Frei Ruiz-Tagle, também ex-presidente e hoje candidato de novo.

A investigação indica que Frei foi assassinado com três doses de mostarda sulfúrica, tálio e um fármaco não identificado.

No percurso para chegar a essa suspeita surgiu o caso de quatro militantes políticos presos em uma cadeia de segurança máxima em Santiago. Todos foram também envenenados, juntamente com quatro presos comuns, mas Ricardo Aguilera, então com 28 anos, sobreviveu.

Para encurtar a história, descobriu-se que o agente venenoso era a bactéria "clorstridium botulinum", que provoca botulismo, e chegara ao Chile "em um pacote letal enviado do Brasil por valise diplomática", segundo "El País".

Em vez de incomodar-se com uma "Comissão da Verdade" não seria mais lógico que os comandantes militares brasileiros se preocupassem com o uso do território nacional, pelo qual têm a obrigação de zelar, para um crime político?

04 janeiro 2010

O biscoito poético fino de Kátia Portes Leão: como ainda ousamos não conhecer?

Não passe os olhos por cima: passe por dentro. São filigranas. Mas depois de fisgado pela primeira, quem sabe a segunda, tem um mel que te sugará até o fim. (Fiquei falando assim depois de lê-la: estão vendo?)

Com toda honestidade: cadê texto dessa qualidade & densidade & visgo no Brasil de hoje? É provável que haja, admito: ainda não sou onisciente... Mas que sejam muitos não é provável, não: pra perceber isso, meu tino alcança!

E no entanto descobri que tem só 6 seguidores no seu blog - PODE??

Não, não pode não: veja estas 3 amostras aqui e depois vá lá: adote-se, deixe-se adotar: você só tem a ganhar! (Zé Ralf)

http://contoscontragotas.blogspot.com/
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domingo, 3 de janeiro de 2010
Kátia Portes Leão
Sobre a saudade e as baratas

Amor,

nem sempre te noto.
A vida exige rapidez cumulativa.
Cedo, frágil, vez ou outra
e não te noto.
Os horários nem sempre se encontram,
nem nós mesmos,
vez ou outra. Vez ou outra.

Mas, amor,
teu corpo é parte tão sincera do meu
que sinto falta de outro esôfago:
umedeço d'água a garganta e, de repente,
me desmorono liquidamente.

Faltam-me teus órgãos, pêlos, cheiro, roupas.
Agora aqui, só com metade de mim.

Meu corpo me desobedece e uma saudade-tiro-12 explode em meu tórax.
Choro sem saber.
Tuas mãos e teu carinho - como o dia amanhece sem?

- Bom dia, amor!
com muito sono e inconsciência,
vou dizer pra tua fotografia.
Sem mecanismos automáticos,
muito longe disso:
é por saudade, amor.
Por saudade.

Chegando de viagem,
como se já não bastasse:
baratas.
Não sei matá-las sozinha.

Indefesa, meu bem,
indefesa.

Faz um dengo,
faz minha vontade?

Volta logo.
domingo, 3 de janeiro de 2010
Kátia Portes Leão
Pra ti, menina, meu abraço.
Pois é, menina,

Diante de garoa, chuva ou tempestade,
não são todos os toldos desta cidade
que podem abrigar minhas úmidas vontades.

Alguns cômodos, camas ou casas inteiras são menores que eu.

Pode ser sim que me falte ousadia. De fato.
E talvez eu tenha mesmo demasiada inocência.
Inda sou incapaz de certas coisas.

Não caibo em todas as cidades.
Não me encontro em todos os meus eus.
Desabito-me.
Sou desconhecida e viajante.
Assumo minhas infâncias.

[meus abraços são terrivelmente sinceros
e minhas intenções, muito sabidas]

Minha savana, meu lar, é meu sagrado, meu templo.
Desenlame os pés, por sutil gentileza, antes de adentrá-lo.

Pois é, menina,
dá-me aqui, um abraço.
Ser humano inda não tem cura.
O erro é tão comum quanto a mediocridade.

Não pertenço a este mundo. De fato.
Estou efêmera hoje
e, diga-se de passagem,
momentaneamente poética.

Importo-me, em verdade, muito pouco em parecer ou ser ridícula.
A vida é muito pouco lírica.
Concretizemo-la rapidamente!

No tapete, frente à minha porta, pisam apenas pés descalços

que eu quero refrescar minhas costas quentes.

Mas menina, como ia dizendo:
toma aqui meu abraço.


segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Kátia Portes Leão
Bastiana

No seu rosto, vó Bastiana, vejo o tempo.
Óbvio assim: vejo o tempo escorregando, infante, pelas rugas, pelas frestas - teus segredos tão antigos.

Quando resolvo te incomodar aos domingos com minhas visitas, tento recuperar o perdido, a memória, o tesouro.

E driblo o sono, te acompanho. Ouço, palavra por palavra, teus resmungos e tuas lembranças.
Concordo que os escorpiões sejam perigosos, vó Bastiana.
E que os pecados se alastram por aí? Sim. Concordo. E talvez não falemos sobre os mesmos pecados. Somos registros de dois tempos, ponteiros conversam. As horas passam.

Minha memória se confunde com a tua, vó Bastiana. Longe de mim violentar teus comentários com o giro cruel de uma fita no gravador. Quero ser capaz de guardar, nafitalinamente, teus comentários de seda, algodão agreste.

Mas tudo se esvai num instante. Ai, esse tempo! Que meus ouvidos são só dois e teus relatos ficam entrelaçados nos fios dos meus sentidos, ouço e não ouço, vó Bastiana, entende?
Meus ouvidos acariciam tuas palavras que me chegam, como viajantes solicitando meus repousos.

Meus olhos te percebem, atentos, doces, amendoados. Temos lá nossas semelhanças - por dentro e por fora do sangue, temos. Tempos.

Dona Nair, vó Bastiana e eu, conversamos nesta última vez, até nossos olhos reclamarem.
Contavam da casa de tia Rita - que insistia em economizar as luzes, apagava todas, deixava as visitas no breu da noite. O medo da assombração assolava as crianças que corriam, desesperadas, pela casa. O pavor dos mortos cujos retratos ainda faziam parte da decoração: retratos e mais retratos, suas caras espreitando....
... Dona Nair, sabidamente ressuscitando a alma mineira, pergunta:
- Mas não faltava comida, não é, mãe?
A vó Bastiana completa: - Ah, comida não faltava não!

O prazer da mesa farta - de gente, de perfumes, de comida.

Quando, às seis do dia seguinte, momento do dia em que vó Bastiana sempre se dedicou a observar o horizonte, ela disse:
- Ah, Kátia, a boca da noite é tão triste, você não acha?

Sorri.
Se inda me resta alguma poesia,
descobri de onde ela invém.

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01 janeiro 2010

dois poeminhas secos e um caudaloso (pra começar um ano)

Dezembro de 2009
DOIS DEDINHOS DE ESPECULAÇÃO ONTOLÓGICA

( NA RESSACA DE COPENHAGUE )

 

eu

eus

eus no caos

nós no caos

nós

.

 

eu

= nó no caos

nós  no caos

= rede

. 

 

nós na rede

.

 

sustentados?

presos?

pescando?

pescados?

 

(
tende piedade de nós
pescadores

agora
e na hora da nossa

recaotização !
)

 

 


As festas da virada do ano mundo afora, todas à base de luz, me fizeram lembrar deste trecho do meu projeto poético mais ambicioso, um poema cênico escrito aos 25, ainda nunca publicado nem montado:

 

De 1982

INTERMÉDIO: EVOCAÇÕES
(O Auto da Paixão da Cidade - quadro V)

quando o homem veio das estrelas

o mundo não lhe tinha cor ou cheiro

além dos que de graça dava

             quando bem queria,

sua grande mãe.

 

escondidos estavam os perfumes

e as cores, e os vôos da embriaguez,

no colo da substância,

na carne das pedras, das plantas,

só aqui e ali eclodindo

na graça e presente do cristal,

             da plumagem,
da flor.

no sangue dos caules, das folhas,

e nos miolos silenciosos das raízes

cochilavam, ocultos, calores,

                               cores,

e os vôos da embriaguez.

dormiam. e ao que ia ser homem

não davam notícia ou favor.

                                                              até

que ele sonhasse forças para explorar-te,

juntasse forças pra penetrar-te,

que encontrasse a esposa

                         pela qual havia de trocar-te,

ó velha mãe!

 

 

       cidade! cidade!

       para ele preparada

       por cem turnos de anjos

       dirigidos por seus arcanjos

       sob os olhos dos arqueus    

       cidade!...

       que serpente passou pelo teu caminho e 
                            ‑ tão cedo ‑
                                                       te seduziu?

 

em ti segredos foram abertos

mistérios desvendados

um a um;

em ti conseguimos favores
das pedras,

do ferro e dos seus companheiros,

e o calor escondido nos troncos,

        no solo

        e até mesmo nos rios,

conseguimos por proteção

contra a ameaça anual

(pra apontar nossa vaidade)

que o sol faz

de se retirar.

 

fizemos vibrar toda matéria

enchendo-te de som e ritmo

e pra melhor neles dançarmos

desescondemos de entre os mistérios

uns trinta tipos de embriaguez ‑

                             e das substâncias

                             mais sutis

inventamos artes

até para o nariz.

 

ervas, resinas, incensos,

vinhos,

cafés,

e ametistas,

e linhos,

topázios e púrpuras,

e os chás, e as pimentas, e os óleos, e
         (ah!...)

a doçura do açúcar.

 

e grãos,
grãos inteiros, cozidos,

moídos, assados, grãos

fermentados, bebidos...

e vinhos! e vinhos, licores, e pedras,

e pratas, pepitas cintilantes,

e os cafés, e os chás, e os fumos todos, e tudo

que faça brilhar nossos olhos,

       por dentro,

       por fora,

brilhantes e luzes,

e vinhos,

e pós,                                                  e tudo

tudo que nos envolva em brilho,             tudo

                                              que nos dissolva em luz!

 

       queremos esquecer o frio e o escuro deste mundo!

       queremos afogar a nostalgia das estrelas!

       pra ser deuses e não bichos fomos feitos,

 

                                                    temos fome de luz!

 

 

cidade, ah cidade, luminosa esposa

tão longamente esperada ‑

que serpente te passou pelo caminho

                                                         e te prostituiu?

 


Dezembro de 2009

CIFRAS BREVES DE UM DISCURSO LONGO

( ÀS MARGENS DO RIO DA INFORMAÇÃO )

 

ninguém sabe por onde tenho andado.
o mundo não interessa a ninguém.

 

cada nuvem de mosquitos com sua própria delícia...

se algures há flit, e daí?

 

no entanto não labuto em desespero

esperança tem mais força que razão

 

.