Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

10 dezembro 2011

Belo Monte desastre ambiental? CONTA OUTRA!

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Não sou um especialista em ecologia, mas também não totalmente sem noção: passei dos meus 22 aos 25 anos na Inglaterra estudando Agricultura Biodinâmica e sua aplicação no desenvolvimento rural de áreas tropicais. Nos anos 80 dei perto de 50 palestras e cursos sobre temas agronômicos e/ou ecológicos em 28 cidades de oito estados brasileiros, mais Venezuela. É óbvio que isso não me capacita a dar palavra final sobre nenhum assunto, mas acredito que não deixe de ajudar na hora de avaliar a consistência das falas de outros sobre o campo ambiental, não é?

Se na década seguinte optei por trabalhar com jovens de periferias metropolitanas foi por perceber que as questões ecológicas mais decisivas eram as intraespecíficas da espécie humana, vulgarmente conhecidas por "sociais", "políticas" e "econômicas" - e neste ponto me sinto tentado a enveredar para diversas discussões filosóficas... mas no momento o urgente é compartilhar informações objetivas que ajudem a desfazer a cortina de desinformação andou sendo lançada - o que inclusive dará mais concretude a qualquer reflexão filosófica posterior. Baste lembrar, por enquanto, que não existe nada sem impacto, a mera existência já representa impacto.

É óbvio que nós humanos precisamos aprender a administrar os nossos impactos, tanto porque pelo tamanho da população humana eles se tornaram de fato relevantes para o planeta, quanto por termos capacidade consciente para tal, e a contraparte da capacidade consciente é a responsabilidade. Mas impacto zero só teremos se deixarmos de existir - e por que teríamos menos direito a existir que qualquer outra espécie?

Só que há uma forma de ambientalismo que é uma espécie de metamorfose pretensamente científica da religiosidade judaico-cristã da culpa, sempre à espera de catástrofes castigadoras. Com isso, não poucas vezes vi antigos colegas preverem pequenos a médios apocalipses que, como os dos religiosos assumidos, acabaram não vindo.

Só por exemplo: quando se anunciou a construção do túnel sob o Parque Ibirapuera, em São Paulo, especialistas clamaram que era garantido que as árvores do parque iriam morrer devido ao rebaixamento do lençol freático. Talvez o túnel tenha sido um erro por outras razões, mas esse efeito "garantido" não aconteceu.

Nos anos 80 construiu-se a uns 200 Km de Manaus o que é provavelmente a hidrelétrica de mais baixa eficiência do mundo: Balbina. Sua área inundada é 4 vezes e meia a que será por Belo Monte, para produzir  45 vezes menos energia do que esta. Um desastre técnico total. E ambientalmente? Meus colegas diziam que a decomposição orgânica produziria um lago pútrido e fétido, sem vida dentro nem ao redor - porem amigos amazonenses me dizem que, malgrado a baixa eficiência energética, tornou-se um lugar lindo e agradável, cheio de peixes e inclusive (dizem eles) bastante apreciado pelos índios.

Qual o mistério? Os ecorreligiosos adoram mencionar um livro que não leram, "Gaia", de James Lovelock. Ao contrário do que pensam, esse livro diz justamente que é muito maior do que pensávamos a capacidade do organismo-Terra de absorver modificações e criar novos equilíbrios dinâmicos - tanto que, na época em que saiu, nós que lemos o livro ficamos revoltados e acusamos o autor de ser financiado pela indústria - no que não deixava de existir alguma verdade, mas não que chegasse a anular as evidências propriamente científicas que apresentava.

Passo a alguns dados sobre Belo Monte e outras hidrelétricas que eu ainda não havia visto, precisei pesquisar. Pra começar, passei décadas acreditando que Itaipu era o maior lago artificial do mundo... quando era apenas a hidrelétrica de maior capacidade de produção, no que só foi superada há pouco por Três Gargantas, na China. Em área alagada Itaipu está em sétimo lugar só no Brasil, e nem faz sentido fazer a conta em nível mundial - pois Sobradinho, que dá 3,12 lagos de Itaipu e os sites oficiais da Bahia insistem em dizer que é o maior lago artificial do mundo, está na verdade em 11º ou 12º lugar quando se olham os números.

Que dizer então de Belo Monte? - que em área alagada terá apenas 38% de Itaipu e 12% de Sobradinho - isso para conseguir o 3º maior potencial de produção hidrelétrica do mundo (80% de Itaipu e 1070% - sim, mil e setenta por cento, ou 10,7 vezes, o potencial máximo de Sobradinho).

O lago artificial de maior área é atualmente o Volta, em Ghana: com 8482 Km² = 2 Sobradinhos = 3,6 Balbinas = 6,3 Itaipus = 16,4 Belo Montes.

No Estado de São Paulo, só as 8 represas do Rio Paranapanema inundam 3,5 vezes a área de Belo Monte,  para produzir, em conjunto, 20% da energia. Note-se que SP tem ainda dezenas de outras usinas, e praticamente toda a área inundada também era originalmente florestal.

E, ainda a propósito de áreas inundadas, veja os Km² usados por cada usina para cada MW que é capaz de produzir:
  • Balbina ................. 9,440 Km² 
  • Sobradinho ........... 4,000 Km²
  • Rio Paranapanema .. 0,800 Km²
  • Itaipu ................... 0,096 Km²
  • Três Gargantas ...... 0,059 Km²
  • Belo Monte ............ 0,046 Km²

Além desses números que falam por si, é preciso saber que Belo Monte inundará 0,26% da área total dos 5 municípios que atingirá, e deve deslocar cerca de 20 mil pessoas. Três Gargantas deslocou 60 vezes isso (1 milhão e 200 mil pessoas), submergindo 160 cidades e vilas, além de sítios arqueológicos.

Barbárie? Os chineses sabem é que jamais manterão sua independência, no mundo bárbaro em que estamos, sem energia abundante já. Quê privilégio temos, no Brasil, de podermos obter quase tanto com tão menor sacrifício social e ambiental!

E quem diz que toda e qualquer mudança no modo de vida de uma população local é sempre negativa? Eu conheci, em criança, o estado de miséria, ignorância e violência endêmica em que viviam as populações do Vale do Iguaçu na faixa que foi afetada pelas cinco grandes hidrelétricas construídas nesse rio. Não fiz nenhum estudo a respeito, mas juro que me custa crer que essa população possa estar pior que o que eu conheci! E, mais uma vez, a área e a população afetadas por Belo Monte serão muito menores.

Finalmente: é óbvio que se podem e devem desenvolver energias alternativas, que se deve pedir ao governo que não descuide disso, mas para isso não é preciso deixar de aproveitar Belo Monte, que está aí de imediato, já estudada e projetada, e representa uma barbada tamanha que é preciso ser otário para não aproveitar! Inclusive porque quem diz que o impacto das fontes alternativas é sempre menor?

Encontrei na internet um site mostrando em números que a área inundada de Itaipu poderia produzir o dobro da energia se fosse ocupada por captadores solares. Mas, gente... Itaipu não é uma área morta! Essa e outras represas são lagos vivos, que propiciam ou podem propiciar navegação, pesca, irrigação, administração das cheias e secas do rio, abastecimento de água, lazer... Quando os lagos de hidrelétricas não propiciam isso, não é porque não possam, e sim porque não pressionamos pelo seu melhor uso possível. Em vez de enfrentar as pulgas preferimos sacrificar o cachorro.

Imaginem, em contraste, o que seria uma área como a do lago de Itaipu usada em captação de energia solar: seria sequestrada tanto da ordem natural quanto do uso humano de modo muito mais dramático, seria uma monstruosidade tecnológica sinistra, muito mais que o lago que temos lá!

Para terminar por hoje: alguém sabe me explicar por que é que o ambiente amazônico seria incapaz de tolerar esse acréscimo de uns 300 Km² de área inundada (pois cerca de 220 dos 516 já são leito inundado hoje) se a própria variação da área inundada da Amazônia conforme as épocas do ano é alguns milhares de vezes maior do que isso?

PS1 (acrescentado em 11/12): A Amazônia legal brasileira tem aproximadamente 5.500.000 Km². O conjunto amazônico, distrubuído entre Brasil, Peru e mais 7 países, é estimado em 7.000.000 Km². Os ~300 Km adicionais que serão inundados representam portanto 0,0043% dessa área. Isso será ocupado de uma vez por todas. Já o desmatamento para formação de pastagem e finalidades afins tem sido da ordem de 7.000 Km² ao ano, ou seja, 23 vezes a área que será alagada, e isso repetidamente. Se alguém está realmente interessado em defender a Amazônia, onde está o verdadeiro problema a enfrentar?

PS2: Há, evidentemente muitas outras questões envolvidas - p.ex., sobre os índios. Eu venho compartilhando material alheio sobre muitas delas, voltarei a compartilhar e voltarei a escrever. Obviamente não cabe tudo numa postagem só!)

Arquipélago das Anavilhanas, no Rio Negro, AM
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