1.
A  física e astronomia falam hoje de dois impulsos principais no  Universo:
... o  de expansão (que, segundo a teoria predominante, teria vindo do big  bang), pelo qual tudo tende a se separar e a se espalhar pelo universo – até  quem sabe sumir de tão rarefeito na infinitude do infinito...  
... e  o gravitacional, pelo qual as coisas tendem a se unir... se apertar umas nas  outras... até que fiquem tão apertadas que toda diferenciação seja esmagada, e  tão presas umas nas outras que nem a luz escape mais desse lugar: o buraco  negro, que, ao contrário do que o nome sugere, é um lugar de excesso e  não de falta.
E no  entanto existem galáxias, sóis, planetas, vida... 
Um  pouquinho mais de gravidade, e tudo se acabava numa união tão densa que nenhum  ser teria chance de existir.
Um  pouquinho mais de expansão e, tudo se afastaria tanto que só restaria um  vazio...
E se  expansão e gravidade estivessem equilibradas com exatidão?... Então  não teríamos um mundo equilibrado: teríamos  nada.
2.
Existir  é gingar permanentemente entre duas possibilidades de  desequilíbrio.
Existimos  enquanto dura a dança. Somos a dança.
Mas a  dança só existe se houver dois impulsos opostos brincando de acabar um com o  outro, e nunca acabando de fato.
Não  estou falando "do bem e do mal". Nenhum deles é o bem. De cada um deles sozinho  se pode dizer que é mau: um destrói a vida e a existência em vazio e abandono. A  outro a sufoca em excesso de união e de substância. 
E  a união dos dois deixando de lado suas diferenças seria o suicídio  universal.
Convívio de  diferentes enquanto diferentes – sem se afastarem demais um do outro, sem se  unirem ao ponto de anular as diferenças. Convívio inclusive dessas duas  possibilidades de mal... pois a supressão de qualquer uma delas seria a  efetivação do outro mal. O bem não está nunca em uma parte nem em outra: o  bem está no convívio.

3.
O  amor une ou separa? O amor prende ou liberta? 
Lá  onde se sufocam as diferenças até tudo "se empedrar" e mergulhar em escuridão –  pode-se aí falar de amor? 
Lá  onde tudo se perde no vazio, no frio e no abandono – pode-se aí falar de  amor?
Os  planetas não são corpos abandonados no vazio: têm um sol em torno do qual  dançar, e em condições especiais até vemos um deles fecundado pela energia do  sol, dando nascimento à vida... Mas não se unem ao sol. Unir-se seria o fim de  toda graça. Fim de jogo. Ir embora cada um pro seu lado também.
Entre  o aprisionamento e o abandono irresponsável, entre a dependência  excessiva do  outro e uma independência unilateral sem coração... lá talvez exista uma faixa  em que o impulso de união e o de liberdade dançam juntos, sem se separar e sem  se anular. Numa dança que é provavelmente o que mais merece o nome de  amor.
Na  China: a existência como a dança perpétua do impulso yang e do impulso yin, os  dois gestos do Tao (a realidade última além da nossa compreensão);
Na  Índia: o Universo como a dança que a divindade faz existir a cada instante com  seus dois pés em movimento;
No  cristianismo: Deus é amor. Ou "a condição pela qual tudo existe é  Amor".
4.
E  nós?
A cada  momento cada um de nós é tentado a dominar. Mas se de fato ama, não quererá  ver o outro destituído da sua dignidade humana, dignidade que vem toda do poder  de escolher por si. (A menos que esteja na verdade à procura de um animal de  estimação).
A cada  momento cada um de nós é tentado a abandonar. Mas enquanto o amor está em nós,  está também a responsabilidade voluntária pelo que se fez – marca de todo ser  que cresceu e já não só recebe, mas se tornou capaz de gerar. 
(Afinal,  o amor é ou não é capacidade de gerar?)
A cada  momento uma escolha. Para lá do mero impulso espontâneo, animal, que vem  e que passa, o amor é a cada instante um ato de decisão.
Não  faz sentido falar de amor a não ser quando se exerce a capacidade de  escolha:  liberdade.
Não  se verdadeiramente cria se não por amor, e não se verdadeiramente cria senão por  decisão interna livre do nosso ser. Sem liberdade fazem-se coisas. Mas não se  cria.
5.
Liberdade  e amor são duas capacidades de uma coisa só: daquilo em nós que é capaz de  criar. 
Daquilo  que é capaz de criar. 
Daquele  que é capaz de criar, seja em nós, seja onde for.
Mas  nada existe se não tiver primeiro se feito dois. Dois que dançam um com o outro,  sem voltar a ser um, e sem deixar de ser um: um par.
Não  existe existir sozinho: só existe existir com.
6.
Com-viver.
Não existe apenas  viver, sem "com"; todo viver depende de que também vivam outros, que vivem  com. Rede.
Não aceitar o  com é investir em que a existência se extinga. 
E por que não?  Existir é difícil... 
Mas... será mais  fácil o desistir? 
Tentar desistir: Arrastar consigo um mundo moribundo, eras a fio... todas as partes em  sofrimento... porque não queremos mais existir – mas, querendo ou não, enquanto  ainda existimos, existimos-com.
Por que, afinal,  algo veio a existir? 
Não, não me  responda. Não será verdade. É mais.
E se ficarmos  esperando a resposta, não vamos com isso deixar de existir: vamos seguir  existindo em sofrimento-com –
... por não  estamos nos doando o suficiente pra que existir seja dança. E seja prazer.  Dança-com-e-prazer-com.
Aceitar existir,  apesar de todas as dificuldades, talvez seja o princípio do fim das  dificuldades.
Desde que se  entenda que existir é existir-com.
7.
Mesmo  com todas as dificuldades, fazer com que algo exista mediante aceitar o "com":  esse é o ato do amor. 
E sem  ele nada do que foi feito se fez. *
 
 * Do Evangelho de João (1:2). "Deus é amor" se encontra em I João  4:16.
 
 

 
 
 
 
 
 
 
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Caro Ralf,
ResponderExcluirMuito interessante esse texto. Por meio de pinceladas em conceitos físicos e filosóficos, faz pensar na permanente relação indivíduo-grupo que permeia toda nossa existência - enquanto essa existir.
Sucesso.
Abraços,
Pedro Martins (filho da Belzinha)
Ralf, muito bacana o texto, muito mesmo, diz muito de tudo que já discutimos em grupo até hoje.
ResponderExcluirMas nos últimos dias tenho tido dúvidas na relação que a maioria dos teóricos fazem do famoso, e famigerado "equilibrio". No seu texto você defende que o universo está em um equilíbrio, e que a vida só é possível justamente por conta desse. E continua o texto defendendo que o convívio é esse ponto de equilíbrio, que juntando-se o amor e a liberdade, sem juntar demais, sem se afastar demais, e que esse seja um ponto o qual devemos perceguir, para alcançar quem sabe a "felicidade".
Li textos, e assisti algumas palestras, de pessoas defendendo que essa questão de equilíbrios, que sem dúvida existe na natureza (se é que de fato exista um equilíbrio, já que tudo está em constante mutação, ou se existe um equilíbrio não extático, dinâmico, ou se tudo está em constante desequilíbrio (des)ordenado) não será uma forma de transferir fenômenos fisícos, fisiológicos para o âmbito das relações sociais, e por isso, tinhamos que usar algo da própria natureza social, entre pessoas, e não transferir conceitos, e formas de outras ciências?
Bom, é apenas uma reflexão.
Abraços
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