Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

26 fevereiro 2008

uma pequena cosmologia físico-poética
política & amorosa

1.
A física e astronomia falam hoje de dois impulsos principais no Universo:
... o de expansão (que, segundo a teoria predominante, teria vindo do big bang), pelo qual tudo tende a se separar e a se espalhar pelo universo – até quem sabe sumir de tão rarefeito na infinitude do infinito...
... e o gravitacional, pelo qual as coisas tendem a se unir... se apertar umas nas outras... até que fiquem tão apertadas que toda diferenciação seja esmagada, e tão presas umas nas outras que nem a luz escape mais desse lugar: o buraco negro, que, ao contrário do que o nome sugere, é um lugar de excesso e não de falta.
E no entanto existem galáxias, sóis, planetas, vida...
Um pouquinho mais de gravidade, e tudo se acabava numa união tão densa que nenhum ser teria chance de existir.
Um pouquinho mais de expansão e, tudo se afastaria tanto que só restaria um vazio...
E se expansão e gravidade estivessem equilibradas com exatidão?... Então não teríamos um mundo equilibrado: teríamos nada.
2.
Existir é gingar permanentemente entre duas possibilidades de desequilíbrio.
Existimos enquanto dura a dança. Somos a dança.
Mas a dança só existe se houver dois impulsos opostos brincando de acabar um com o outro, e nunca acabando de fato.
Não estou falando "do bem e do mal". Nenhum deles é o bem. De cada um deles sozinho se pode dizer que é mau: um destrói a vida e a existência em vazio e abandono. A outro a sufoca em excesso de união e de substância.
E a união dos dois deixando de lado suas diferenças seria o suicídio universal.
Convívio de diferentes enquanto diferentes – sem se afastarem demais um do outro, sem se unirem ao ponto de anular as diferenças. Convívio inclusive dessas duas possibilidades de mal... pois a supressão de qualquer uma delas seria a efetivação do outro mal. O bem não está nunca em uma parte nem em outra: o bem está no convívio.
http://www.tropis.org/imagens/polaridadefundamental2.jpg
3.
O amor une ou separa? O amor prende ou liberta?
Lá onde se sufocam as diferenças até tudo "se empedrar" e mergulhar em escuridão – pode-se aí falar de amor?
Lá onde tudo se perde no vazio, no frio e no abandono – pode-se aí falar de amor?
Os planetas não são corpos abandonados no vazio: têm um sol em torno do qual dançar, e em condições especiais até vemos um deles fecundado pela energia do sol, dando nascimento à vida... Mas não se unem ao sol. Unir-se seria o fim de toda graça. Fim de jogo. Ir embora cada um pro seu lado também.
Entre o aprisionamento e o abandono irresponsável, entre a dependência excessiva do outro e uma independência unilateral sem coração... lá talvez exista uma faixa em que o impulso de união e o de liberdade dançam juntos, sem se separar e sem se anular. Numa dança que é provavelmente o que mais merece o nome de amor.
Na China: a existência como a dança perpétua do impulso yang e do impulso yin, os dois gestos do Tao (a realidade última além da nossa compreensão);
Na Índia: o Universo como a dança que a divindade faz existir a cada instante com seus dois pés em movimento;
No cristianismo: Deus é amor. Ou "a condição pela qual tudo existe é Amor".
4.
E nós?
A cada momento cada um de nós é tentado a dominar. Mas se de fato ama, não quererá ver o outro destituído da sua dignidade humana, dignidade que vem toda do poder de escolher por si. (A menos que esteja na verdade à procura de um animal de estimação).
A cada momento cada um de nós é tentado a abandonar. Mas enquanto o amor está em nós, está também a responsabilidade voluntária pelo que se fez – marca de todo ser que cresceu e já não só recebe, mas se tornou capaz de gerar.
(Afinal, o amor é ou não é capacidade de gerar?)
A cada momento uma escolha. Para lá do mero impulso espontâneo, animal, que vem e que passa, o amor é a cada instante um ato de decisão.
Não faz sentido falar de amor a não ser quando se exerce a capacidade de escolha: liberdade.
Não se verdadeiramente cria se não por amor, e não se verdadeiramente cria senão por decisão interna livre do nosso ser. Sem liberdade fazem-se coisas. Mas não se cria.
5.
Liberdade e amor são duas capacidades de uma coisa só: daquilo em nós que é capaz de criar.
Daquilo que é capaz de criar.
Daquele que é capaz de criar, seja em nós, seja onde for.
Mas nada existe se não tiver primeiro se feito dois. Dois que dançam um com o outro, sem voltar a ser um, e sem deixar de ser um: um par.
Não existe existir sozinho: só existe existir com.
6.
Com-viver.
Não existe apenas viver, sem "com"; todo viver depende de que também vivam outros, que vivem com. Rede.
Não aceitar o com é investir em que a existência se extinga.
E por que não? Existir é difícil...
Mas... será mais fácil o desistir?
Tentar desistir: Arrastar consigo um mundo moribundo, eras a fio... todas as partes em sofrimento... porque não queremos mais existir – mas, querendo ou não, enquanto ainda existimos, existimos-com.
Por que, afinal, algo veio a existir?
Não, não me responda. Não será verdade. É mais.
E se ficarmos esperando a resposta, não vamos com isso deixar de existir: vamos seguir existindo em sofrimento-com –
... por não estamos nos doando o suficiente pra que existir seja dança. E seja prazer. Dança-com-e-prazer-com.
Aceitar existir, apesar de todas as dificuldades, talvez seja o princípio do fim das dificuldades.
Desde que se entenda que existir é existir-com.
7.
Mesmo com todas as dificuldades, fazer com que algo exista mediante aceitar o "com": esse é o ato do amor.
E sem ele nada do que foi feito se fez. *
 



 * Do Evangelho de João (1:2). "Deus é amor" se encontra em I João 4:16.
   

3 comentários:

  1. Caro Ralf,
    Muito interessante esse texto. Por meio de pinceladas em conceitos físicos e filosóficos, faz pensar na permanente relação indivíduo-grupo que permeia toda nossa existência - enquanto essa existir.
    Sucesso.
    Abraços,
    Pedro Martins (filho da Belzinha)

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  2. Ralf, muito bacana o texto, muito mesmo, diz muito de tudo que já discutimos em grupo até hoje.
    Mas nos últimos dias tenho tido dúvidas na relação que a maioria dos teóricos fazem do famoso, e famigerado "equilibrio". No seu texto você defende que o universo está em um equilíbrio, e que a vida só é possível justamente por conta desse. E continua o texto defendendo que o convívio é esse ponto de equilíbrio, que juntando-se o amor e a liberdade, sem juntar demais, sem se afastar demais, e que esse seja um ponto o qual devemos perceguir, para alcançar quem sabe a "felicidade".
    Li textos, e assisti algumas palestras, de pessoas defendendo que essa questão de equilíbrios, que sem dúvida existe na natureza (se é que de fato exista um equilíbrio, já que tudo está em constante mutação, ou se existe um equilíbrio não extático, dinâmico, ou se tudo está em constante desequilíbrio (des)ordenado) não será uma forma de transferir fenômenos fisícos, fisiológicos para o âmbito das relações sociais, e por isso, tinhamos que usar algo da própria natureza social, entre pessoas, e não transferir conceitos, e formas de outras ciências?
    Bom, é apenas uma reflexão.
    Abraços

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