Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

16 maio 2010

Uso terapêutico da maconha e o Grande Satã (no dizer iraniano)

Acabo de ler uma entrevista interessante com um especialista em uso terapêutico da maconha (calma, não se entusiasmem, não está dizendo que é remédio pra tudo e pra todos, não - hahaha). Ia mandar só o link, mas depois lembrei que é só pra assinantes do UOL ou Foilha, então transcrevo inteira depois de alguns destaques e comentários.
 
O que mais me chamou atenção foi a situação absolutamente absurda, ridícula, a que a burocratização pode reduzir as coisas - burocratização a serviço de monopólios e outros tipo de poderes, pra variar. Vejam isso (sublinhados meus):
 
FOLHA - Como a pesquisa [com o princípio ativo da maconha] é feita hoje, no Brasil?
CARLINI -
Há uma dificuldade imensa em importar o princípio ativo. É preciso apresentar um projeto, que tem que ser aprovado em várias instâncias do governo. A partir daí, o Brasil envia um pedido de amostras ao governo americano, que decidirá se manda ou não. Quando mandam, a burocracia é medonha. Os produtos chegam ao porto do Rio e é uma desgraça fazer o desembaraço com a Vigilância Sanitária.
 
Ou seja: devido a uma certa convenção "da ONU" de 1961, se um pesquisador brasileiro quiser estudar um produto que todo mundo acha ali na esquina, ele precisa solicitar ao governo dos EUA! E agora vejam mais isso:
 
FOLHA - Quantos países hoje usam a maconha como medicamento?
CARLINI -
Além dos quatro fabricantes dos medicamentos, mais de 20 importam.
 
A propósito, quais os tais quatro fabricantes?  Canadá, Inglaterra, Holanda e... EUA, naturalmente!
 
Abraços,
Zé Ralf (devidamente indignado... apesar de não fazer uso há precisamente 25 anos)

 
Ainda acham que maconha é a erva do diabo

Maior especialista brasileiro em psicotrópicos, Elisaldo Carlini preside amanhã um simpósio sobre uso medicinal da maconha; aqui, ele diz estar na hora de o país reconhecer os benefícios terapêuticos da cânabis

Filipe Redondo/Folha Imagem
Carlini, psicofarmacologista e presidente do
Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas


FERNANDA BASSETTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Amanhã, especialistas se reúnem em São Paulo, em um simpósio internacional que vai debater argumentos científicos envolvendo o uso terapêutico da maconha e a criação de uma agência brasileira reguladora da cânabis medicinal. Elisaldo Carlini, professor da Unifesp, psicofarmacologista e presidente do simpósio, falou à Folha sobre o preconceito e o conservadorismo que, segundo ele, atrapalham a pesquisa do tema no país.

 

FOLHA - O que há de comprovado no uso terapêutico da maconha?
ELISALDO CARLINI -
O primeiro benefício é a diminuição da náusea e do vômito induzidos pela quimioterapia. Já há ao menos 30 trabalhos científicos comprovando esse uso. O segundo é para caquexia (grau extremo de emagrecimento). A administração da maconha nesses casos restaura, em parte, a perda de apetite. O terceiro uso aprovado é para combater dores resultantes de problemas nos nervos, o que causa espasmos musculares. São dores comuns em pacientes que sofrem de esclerose múltipla.

FOLHA - Há quantos anos esses benefícios são conhecidos?
CARLINI -
Há muito tempo. No século 19, a maconha era considerada excelente para as dores de origem nervosa.

FOLHA - Existem medicamentos feitos à base de maconha?
CARLINI -
Até o momento, existem quatro licenciados e amplamente prescritos. Um deles, feito no Canadá com uma substância sintética, está em uso há 20 anos. Um outro, usando um dos princípios ativos, foi sintetizado nos EUA, é prescrito em cápsulas e exportado. O terceiro é um subproduto da própria maconha, sintetizado na Inglaterra e vendido em forma de spray bucal. O quarto, feito na Holanda, é enviado pelo governo para as farmácias manipularem em forma de cigarro.

FOLHA - E por que o Brasil nunca usou esses medicamentos?
CARLINI -
Porque a maconha ainda é condenada pela ONU. Na década de 40, ela foi proibida em quase todo o mundo. A partir de 1961, uma convenção da ONU a classificou como uma droga especialmente perigosa e, então, foi proibida no mundo.

FOLHA - É para estudar esse uso terapêutico que vocês vão discutir a criação da agência reguladora?
CARLINI -
Sim. Um grupo de cientistas, do qual eu faço parte, acredita que está na hora de o Brasil reconhecer os benefícios desses medicamentos. Mas, para você poder desenvolvê-los, a ONU recomenda que seja criada uma agência regulamentadora. Estamos tentando criar essa agência para fazer estudos com menos preconceito.

FOLHA - Como a pesquisa é feita hoje, no Brasil?
CARLINI -
Há uma dificuldade imensa em importar o princípio ativo. É preciso apresentar um projeto, que tem que ser aprovado em várias instâncias do governo. A partir daí, o Brasil envia um pedido de amostras ao governo americano, que decidirá se manda ou não. Quando mandam, a burocracia é medonha. Os produtos chegam ao porto do Rio e é uma desgraça fazer o desembaraço com a Vigilância Sanitária.

FOLHA - A maconha medicinal causa dependência?
CARLINI -
Se o paciente abusar, pode ficar dependente sim e ter vários efeitos colaterais. Mas não produz uma dependência no mesmo grau que a morfina ou a heroína. Podem dizer o que quiser, mas não há provas científicas sobre isso. O uso medicinal inclui a administração de doses adequadas, por um período determinado.

FOLHA - Quantos países hoje usam a maconha como medicamento?
CARLINI -
Além dos quatro fabricantes dos medicamentos, mais de 20 importam.

FOLHA - O Brasil tem sinalizado interesse com relação a isso?
CARLINI -
Recebo pedidos de pessoas de diversas cidades querendo saber se existe um caminho legal para conseguir a maconha terapêutica. São pessoas com problemas de saúde e que descobriram que a erva pode ser útil em seus tratamentos. Elas acabam comprando a droga no submundo e se sentem muito mal. Também há duas ou três ONGs no Brasil lutando para isso. Em um simpósio, há alguns anos, uma senhora da plateia levantou e falou "eu tenho esclerose múltipla e gostaria de fazer um apelo às autoridades: eu não aguento mais ter que comprar maconha de traficantes". Ela não é a única. Há uma série de pacientes que usam a maconha comprada ilegalmente para tratar a saúde.

FOLHA - E o governo brasileiro? Tem mostrado interesse em regulamentar a maconha medicinal?
CARLINI -
Não que eu saiba. Na realidade, ainda há muito conservadorismo. Falar desse assunto é cutucar um vespeiro. Tem gente que ainda acha que a maconha é a erva do diabo, coisa de satã. Querem condenar a maconha a todo custo. Então certamente vamos ter problemas. Vão alegar que o simpósio seria o primeiro passo para o "liberou total" da erva como droga recreativa. E o nosso objetivo é puramente médico.

FOLHA - Então o Brasil está longe de aprovar o uso como remédio.
CARLINI -
Sim. Nesse momento estamos a muitos passos de aprovar. Existem alguns movimentos acanhados. A maconha continua classificada pela ONU como droga de alto risco. E o Brasil segue essa convenção, quase como se fosse uma Bíblia. Não aceitam que há coisas que evoluem com o tempo.

FOLHA - Quantos pacientes seriam beneficiados, caso a maconha medicinal fosse aprovada aqui?
CARLINI -
Imagino que sejam dezenas de milhares.

7 comentários:

  1. Gostei da matéria, e acho um assunto de grande importância, que pode talvez acabar com este misticismo maligno que a maconha lembra a muita gente. Pessoalmente sou a favor da legalização para uso medicinal, mas infelizmente o povo confunde "uso controlado" com "uso exagerado" ou "mal utilizado" e quem observa a tudo isso e não entende, coloca tudo no mesmo saco e classifica a erva como algo maléfico!

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  2. eu tenho bastante interesse de pesquisa em relação ao alzeihmer + thc mas, como dito aí na matéria, a iniciação pra esse tipo de pesquisa depende de vários fatores dos quais a universidade não se responsabiliza por nenhum. é complicado.
    uma revista que sempre trás artigos interessantes sobre o assunto é a mente e cérebro, filha da scientific american e todo esse monopólio...

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  3. Legal saber que vc também se interessa por isso, Jennie. Sou assinante da Mente & Cérebro há vários anos. Acho que ela era melhor no ínício, mais vinculada à Gehirn und Geist alemã. Os artigos que vem de lá ainda costumam ser os melhores - apesar de que do lado Scientific American também vem coisas sérias, como as do casal Ramachandran. O interesse pelo campo foi crescendo tanto que agora estou cursando uma especialização pioneira, chamada Neuropedagogia e Psicanálise. Mas, enfim: paciência que vc tem tempo pela frente, e ainda vai pegar a liberação dessas pesquisas, aposto! Nesta vida eu já mudarem certas coisas que eu imaginava que nem os meus netos iam ver...

    Bom receber seu comentário - e tamos aí!

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  4. Muito bom saber!

    Esses "dias" você enviou pra lista da trópis uma reportagem sobre o mesmo tema, porém visto de um ângulo totalmente inverso mostrando os males causados pelo uso frequente da "droga" e etc. e é muito importante -até bonito mesmo- ver que a moeda tem dois lados. Melhor ainda é começar a perceber na prática por meio dessas pequenas pistas que não só essa (ou esse tipo de) moeda tem dois, três, quatro, enfim, vários lados! Isso é a verdadeira formação de "conceito", não constituído por uma visão unilateral (como acontece na maior parte dos casos), sim pela somatória de vários pontos de vista e abordagens.

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  5. Legal seu comentário, mas espero que vc repare que meu post não é de defesa da cannabis e sim de ataque à manipulação do mundo pelos EUA!

    Repare que o cara está falando apenas de situações de doença onde já há comprometimento grave do sujeito, e os efeitos da cannabis acabam sendo um mal menor.

    Eu não gostaria de ver minha postagem usada pra aliviar nem um pouquinho a barra quanto ao uso por sujeitos somaticamente sãos. Já vi inteligências jovens absolutamente brilhantes serem drasticamente reduzidas com poucos anos de uso dessa coisa! Não é que a pessoa fique tapada, mas perde justamente a flexibilidade mental; é como se sofresse um envelhecimento artificial acelerado, aos 30 e pouco tá com a flexibilidade e agilidade mentais comuns em gente de mais de 70. DE INÍCIO ela propicia um ganho de flexibilidade DURANTE A VIAGEM, inclusive nas primeiras horas depois que passa o efeito mais denso, com um certo embotamento depois. Essa flexibilidade extra não é uma conquista do sujeito, e sim um saque no seu capital biológico. Vai deixar deficit. Depois de alguns anos vc usar só pra obter um estado pouco menos embotado que o que se tornou o seu estado geral, permanente.

    TEM uma ou outra pessoa com uma vitalidade orgânica tão extraordinária que parecem não apresentar prejuízos notáveis. Mas são bem raras. Não dá pra construir uma posição relativa a todos com base em exceções raras!

    Abraços

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  6. Então, fiquei com medo de deixar a impressão de que eu havia "percebido" através da reportagem que a maconha não é tão ruim quanto parece e tal, mas como eu tava sem muito tempo pra formular melhor e não dava pra alongar muito (se não ia acabar virando quase um segundo post, rsr), acabei dizendo parte do que realmente conclui, na verdade a parte que eu considero mais importante que é o lance da formação de conceito (que nesse caso é evidente o que se conclui, né?).

    Abraço!

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  7. Dá raiva. A mesma coisa com as sementes de papoula. Graças ao Anvisa (que segue o modelozinho americano) não existe mais semente de papoula no Brasil e não posso fazer meu bolo maravilhoso de maracujá e sementes de papoula. Só vende na Europa. Lá pode.

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