Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

22 fevereiro 2010

Pobreza deixa marcas biológicas permanentes nas crianças

O que essa pesquisa traz não é exatamente novidade, mas é sempre um reforço, e é importante que esteja aparecendo em meios de grande alcance e não apenas nos meios especializados. Sem foco nas crianças (ou melhor: na nossa transformação no sentido de sermos cuidadores mais compreensivos & competentes) jamais conseguiremos nenhuma mudança positiva no mundo!  (Ralf)
 

 

22/02/2010 - 16h47

Pobreza pode deixar marcas biológicas permanentes nas crianças

A pobreza pode deixar profundos e permanentes efeitos biológicos em crianças pequenas, que quando adultas correm mais riscos de sofrer problemas de saúde e ter renda mais baixa, revelou uma pesquisa apresentada no último fim de semana em San Diego, Califórnia.

Cientistas americanos definiram "uma biologia da pobreza" entre adultos que passaram a infância em um ambiente de pobreza, principalmente entre aqueles que viveram na miséria antes dos cinco anos de idade, segundo o estudo publicado no domingo, na reunião anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS).

"A pobreza tem o potencial de modificar profundamente a neurobiologia da criança pequena em desenvolvimento", e pode afetar diretamente toda a sua vida, afirma Greg Duncan, da Universidade da Califórnia.

A primeira infância é um "momento crucial para estabelecer a arquitetura do cérebro que dá forma ao futuro cognitivo, social e de bem-estar emocional da criança", explica o estudo.

"As crianças que crescem em um ambiente desfavorável mostram níveis desproporcionais de reação ao estresse, e isso é notado a nível de exames hormonais, neurológicos e de perfis epigenéticos", diz Thomas Boyce, da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá.

Para medir os efeitos socioeconômicos destes marcadores neurobiológicos da pobreza, os pesquisadores analisaram dados demográficos de 1.589 adultos nascidos entre 1968 e 1975, incluindo o nível de renda de suas famílias e os anos de educação alcançados, além de dados sobre sua saúde e antecedentes penais.

"Diferenças notáveis" foram percebidas entre as vidas adultas daquelas crianças, de acordo com o nível socioeconômico antes dos seis anos.

"Em comparação com crianças cujas famílias registravam renda pelo menos duas vezes mais alta que a linha de pobreza durante sua primeira infância, as crianças pobres tiveram dois anos a menos de escolaridade em média, trabalham 451 horas a menos por ano e ganham menos da metade", indica o estudo.

Estas crianças também receberam de adultos mais de 800 dólares a mais por ano em cupons de alimentos, e foram duas vezes mais propensas a ter uma saúde em geral deficiente ou altos níveis de estresse psicológico.

As crianças pobres também acabaram mais gordas que as ricas, assim como mais propensas a apresentar sobrepeso na vida adulta.

Além disso, homens pobres desde a infância têm o dobro de chances de serem presos, e as mulheres, seis vezes mais chances de se tornarem mães solteiras.

A pesquisa, a primeira com estas características realizada nos Estados Unidos, também demonstrou que se uma família pobre recebe 3.000 dólares por ano a mais através da assistência social do governo por ter um filho de menos de cinco anos, quando adulto esta criança ganhará 17% a mais e trabalhará 135 horas a mais por ano.

"Este estudo prova que as políticas de bem-estar social dirigidas a famílias americanas pobres com crianças pequenas produzem resultados palpáveis".

Segundo os autores do estudo, quatro milhões de crianças nos Estados Unidos viviam na pobreza em 2007.

Para Jack Shonkoff, da Universidade de Harvard, a pesquisa oferece "uma oportunidade magnífica para aprender mais sobre a biologia da pobreza", que pode ajudar a "desenvolver novas ideias e mitigar o impacto da precariedade no emprego e proteger melhor as crianças pequenas".

16 fevereiro 2010

desculpas pela longa ausência

Amigos - depois de dois anos contínuos de atividade verbal escrita intensa, bateu uma ENORME necessidade de ficar um pouco afastado do escrever e fazer algumas outras atividades, pra renovar.
 
Sei que estou devendo pelo menos três artigos substanciosos, já prometidos - inclusive uma resenha sobre as idéias de Hinkelammert, bola que andei levantando aqui antes de sumir.  Prometo que todas essas dívidas serão pagas em breve, mas... por enquanto, por favor me deixem curtir um pouco mais o lado não-verbal da vida!...  É isso que trará forças pra enfrentar BEM as lutas verbais por mais um ano.
 
HÁ BRAÇOS,
 
Zé Ralf

05 fevereiro 2010

Fw: CURSOS E EVENTOS LAB_ARTE

Não dou conta de acompanhar, mas o Prof. Marcos Ferreira Santos estar envolvido costuma ser um atestado de valor de qualquer coisa. Sempre vale a pena olhar as listas de eventos que ele distribui – e às vezes a gente até consegue ir a algum deles!! :-D
 
----- Original Message ----- From: "marcos ferreira santos" <marcosfe@usp.br>
 
convidamos todas as pessoas para:



CURSOS com o prof. dr. marcos ferreira santos no primeiro semestre de 2010:


filosofia da educação e seus diálogos com os estudos da religião
curso de pós-graduação lato-sensu em "estudos da religião e suas
interfaces com a educação"
fundação mokiti okada - faculdade messiânica - rua Humberto I, 612 -
vila mariana - tel.: (11) 5081-5888
sábados - 8h30 às 12 hs

início das aulas: 06 de março
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EDA5036 - o olho e a mão: antropologia de uma educação de sensibilidade
curso de pós-graduação em educação - feusp
terças-feiras - turma noturna: 19h30 às 23 hs - sala 130 (lab_arte)- bloco B
ementa no sistema fenix:
https://sistemas.usp.br/fenixweb/fexDisciplina?sgldis=EDA5036

início das aulas: 16 de março
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EDA0463 - políticas públicas e organização da educação básica no brasil
curso para licenciaturas usp - feusp
quintas-feiras - turma noturna: 19h30 às 23 hs - sala 130 (lab_arte)- bloco B

início das aulas: 25 de fevereiro



EVENTOS:


06 e 20 de fevereiro - sábados - 9h00
Palestra: Filosofia da Educação e os diálogos com Estudos da Religião
Prof. Marcos Ferreira Santos
Fundação Mokiti Okada (Faculdade Messiânica) -
http://www.fmo.org.br/fmo2/faculdade.html
Rua Humberto I, 612 - Vila Mariana - São Paulo - Tel.: (11) 5081-5888
Palestras abertas e gratuitas sobre "Estudos da Religião e suas
interfaces com a Educação" - Pós-Graduação - Lato Sensu - Organização
das Profas. Andrea Tomita e Viviane Cândido
Na ocasião, após as palestras, os professores do curso apresentarão as
propostas de suas disciplinas e os participantes poderão trazer suas
questões.
Infos:
http://www.faculdademessianica.edu.br/educacao_religiao.html
http://www.educacaoereligiao.com.br/esta-no-prelo_19.html
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26 de fevereiro - sexta-feira - 14h30
Conferência: "Brincadeira e experimentação nos labirintos da educação"
Prof. Marcos Ferreira Santos
Instituto Vera Cruz - Rua Bauman, 73 - Vila Leopoldina
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26 de fevereiro - sexta-feira - Recepção dos Calouros - FEUSP
14 hs - Sansakroma - sala 130
17 hs - Oficinas do Lab_arte
19 hs - "Cantos de semeadura" - saguão do afresco - bloco B
Recital de música latinoamericana com Prof. Marcos Ferreira Santos & Lab_arte.
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15 de março - segunda-feira - 14 hs - FEUSP
Banca de defesa de mestrado de Luz Marina Espíndola, intitulado:
"O Vestido Azul: Educação e Música na Infância - ressonâncias antropológicas"
Banca: Prof. Marcos Ferreira Santos (orientador)
Profs. João de Jesus Paes Loureiro, UFPA
Rogério de Almeida, FEUSP - Lab_Arte & CICE
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22 de março - segunda-feira - 14 hs - IEB/USP - Instituto de Estudos
Brasileiros
Banca de defesa de doutorado de Elly Aparecida Rozo Vaz Perez Ferrari,
intitulado:
"Escritura de uma exposição: diálogos entre uma educadora e acervos pessoais"
Banca: Prof. Marcos Ferreira Santos (orientador)
Profs. Rogério de Almeida, FEUSP - Lab_Arte & CICE
Bernadette Lyra, Universidade Anhembi-Morumbi
Lucia Leão, PUC / SP
Kátia Rubio, EEFE/USP
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25 de março - quinta-feira - 15 h - sala 130 (lab_arte)
Conferência: "A obra de Durand para pensar uma pedagogia do imaginário"
Profa. Dra. Maria Cecília Sanchez Teixeira, FEUSP - CICE

Projeto: Diálogos com Gilbert Durand - 50 anos de "Estruturas
Antropológicas do Imaginário", FUPPECEU - USP
Trata-se de um ciclo internacional de seminários em comemoração aos 50
anos da publicação da obra "Estruturas Antropológicas do Imaginário"
(1960), de Gilbert Durand, inaugurando um campo de investigações sobre
a antropologia do imaginário e mitohermenêutica, numa paisagem de
mudança paradigmática, com
desdobramentos importantes para a educação e que se consolidou em
várias redes de laboratórios de investigação pelo mundo, entre os
quais o CICE e o Lab_Arte (FE-USP). A partir do diálogo com a obra
durandiana, pretende-se estabelecer interfaces com as várias áreas do
conhecimento, efetuar uma fortuna crítica de seu legado e apontar
novas perspectivas para a investigação, ensino e extensão
universitária na perspectiva de ação cultural e comunitária.
--------------------------------------------------------------------------------

05 de abril - segunda-feira - 14 hs - FEUSP
Banca de defesa de doutorado de Edleuza Ferreira Silva, intitulado:
"LEITURA: DELEITES E ANGÚSTIAS - uma Fisiologia Simbólica da Leitura
em Leitores Habituais e Leitores Não-Habituais"
Banca: Prof. Marcos Ferreira Santos (orientador)
Profs. Rogério de Almeida, FEUSP - Lab_Arte & CICE
Yasmin Jamil Nadaf, ICE - Instituto Cuiabano de Educação
Iduína Mont'alverne Braun Chaves, UFF - Universidade Federal Fluminense
Dóris Accioly e Silva, FEUSP
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confira matérias sobre o lab_arte:

Edição 352 do Jornal do Campus:
http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2009/04/extensao-universitaria-estimula-cultura-dentro-e-fora-da-usp/

Entrevista do Prof. Marcos Ferreira sobre Ancestralidade no Edições Toró:
http://www.edicoestoro.net/
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contamos com a sua presença


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un abrazo fraterno,

prof. dr. marcos ferreira santos
professor de mitologia - lab_arte - fe-usp
http://marculus.net

prof. dr. rogério de almeida - lab_arte - feusp
http://www.rogerioa.com.br

20 janeiro 2010

para quem pergunta o significado de R E S I L I Ê N C I A (exemplo do HAITI)

Após uma semana soterrada, haitiana de 70 anos é resgatada viva e sai dos escombros cantando
Informado pela Agence France-Presse
20/01/2010 - 08h22

14 janeiro 2010

quem aqui já conhece HINKELAMMERT?

Num artigo do sempre pertinente Jung Mo Sung numa publicação chamada Educação & Psicologia 1 (vendida em bancas), fiquei conhecendo ontem o pensamento de Franz Hinkelammert - economista, filósofo e teólogo de esquerda, nascido em 1931 na Alemanha, vivendo na América Latina há mais de 30 anos.

Estou até encabulado de confessar que não conhecia, pq o pensamento dele parece EXTREMAMENTE relevante & equilibrado. Ainda preciso lê-lo diretamente, mas pela rápida busca que fiz chega a parecer que é O autor que estava me faltando.

Por isso, não posso deixar de perguntar aqui nas nossas listas se alguém já conhecia - e, nesse caso, se tem alguma coisa a compartilhar sobre ele.

Abração,
ZéRR

06 janeiro 2010

O achado de Clóvis Rossi: um princípio definitivo sobre a diferença esquerda/direita frente à anistia

Provavelmente ninguém ainda tinha conseguido apontar de forma tão enxuta, contundente e definitiva a inconsistência da argumentação da direita na polêmica da anistia aos crimes da época militar -- e, de modo não pouco surpreendente, quem acaba de fazê-lo foi o jornalista Clóvis Rossi, totalmente insuspeito de ser algum militante de esquerda.
 
Destaco em azul o trecho, logo no início, que me parece destinado a permanecer como um "princípio de doutrina" a não ser desconsiderado nunca mais em nenhuma reflexão séria sobre a História do Brasil pós 1960. Mas também o restante do texto, que trata da famigerada Operação Condor, precisa ser conhecido - e como saiu em área de acesso restrito compartilho aqui na íntegra.  (Ralf)
 

 
 
Sobre verdades e venenos
Clóvis Rossi - Folha de S.Paulo, 02.01.2010

A COMISSÃO da Verdade, proposta pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, bem que poderia começar procurando a verdade nos argumentos contra ela esgrimidos pelos comandantes militares. Não vai encontrar.

O argumento mais popular, a julgar pelo Painel do Leitor de ontem desta Folha, é o de que a proposta quer investigar os abusos de um lado (o dos militares) e ignorar os do outro (os militantes da esquerda armada). Ou é desinformação ou má-fé.

Todos os abusos da esquerda armada foram punidos. Alguns, na forma da lei. Outros, muitos, à margem da lei, por meio de assassinatos, torturas, exílio, banimento, desaparecimentos.

Já os abusos praticados pelo aparato repressivo não foram nem investigados, com pouquíssimas exceções.

Para ficar apenas no âmbito mais próprio para este espaço, o internacional, está mais do que na hora de buscar a verdade sobre a Operação Condor, o mecanismo repressivo multinacional armado pelas ditaduras militares do Cone Sul, nos anos 70/80.

Deve haver, escondido em algum arquivo bem protegido, um documento assinado por chefes militares da época anulando a soberania de cada país para que militantes da oposição às ditaduras pudessem ser caçados livremente.

Eu mesmo andei atrás desse papel, quando estava para cair a ditadura boliviana da época (começo dos 80), a primeira brecha que se abriria para ter acesso a arquivos oficiais. Um coronel, que fazia a ligação entre o candidato presidencial Hernán Siles Zuazo e as Forças Armadas, me disse que teria, sim, que haver um documento oficializando, digamos assim, a Operação Condor.

Pena que um novo golpe adiou a vitória de Siles, e perdi a pista.

Ainda nesse terreno de repressão internacional, a nova comissão poderia procurar a verdade sobre o envenenamento de opositores à ditadura de Augusto Pinochet. No domingo, o jornal espanhol "El País" fez um belo levantamento sobre a morte, por aparente envenenamento, do ex-presidente Eduardo Frei Montalva, pai de Eduardo Frei Ruiz-Tagle, também ex-presidente e hoje candidato de novo.

A investigação indica que Frei foi assassinado com três doses de mostarda sulfúrica, tálio e um fármaco não identificado.

No percurso para chegar a essa suspeita surgiu o caso de quatro militantes políticos presos em uma cadeia de segurança máxima em Santiago. Todos foram também envenenados, juntamente com quatro presos comuns, mas Ricardo Aguilera, então com 28 anos, sobreviveu.

Para encurtar a história, descobriu-se que o agente venenoso era a bactéria "clorstridium botulinum", que provoca botulismo, e chegara ao Chile "em um pacote letal enviado do Brasil por valise diplomática", segundo "El País".

Em vez de incomodar-se com uma "Comissão da Verdade" não seria mais lógico que os comandantes militares brasileiros se preocupassem com o uso do território nacional, pelo qual têm a obrigação de zelar, para um crime político?

04 janeiro 2010

O biscoito poético fino de Kátia Portes Leão: como ainda ousamos não conhecer?

Não passe os olhos por cima: passe por dentro. São filigranas. Mas depois de fisgado pela primeira, quem sabe a segunda, tem um mel que te sugará até o fim. (Fiquei falando assim depois de lê-la: estão vendo?)

Com toda honestidade: cadê texto dessa qualidade & densidade & visgo no Brasil de hoje? É provável que haja, admito: ainda não sou onisciente... Mas que sejam muitos não é provável, não: pra perceber isso, meu tino alcança!

E no entanto descobri que tem só 6 seguidores no seu blog - PODE??

Não, não pode não: veja estas 3 amostras aqui e depois vá lá: adote-se, deixe-se adotar: você só tem a ganhar! (Zé Ralf)

http://contoscontragotas.blogspot.com/
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domingo, 3 de janeiro de 2010
Kátia Portes Leão
Sobre a saudade e as baratas

Amor,

nem sempre te noto.
A vida exige rapidez cumulativa.
Cedo, frágil, vez ou outra
e não te noto.
Os horários nem sempre se encontram,
nem nós mesmos,
vez ou outra. Vez ou outra.

Mas, amor,
teu corpo é parte tão sincera do meu
que sinto falta de outro esôfago:
umedeço d'água a garganta e, de repente,
me desmorono liquidamente.

Faltam-me teus órgãos, pêlos, cheiro, roupas.
Agora aqui, só com metade de mim.

Meu corpo me desobedece e uma saudade-tiro-12 explode em meu tórax.
Choro sem saber.
Tuas mãos e teu carinho - como o dia amanhece sem?

- Bom dia, amor!
com muito sono e inconsciência,
vou dizer pra tua fotografia.
Sem mecanismos automáticos,
muito longe disso:
é por saudade, amor.
Por saudade.

Chegando de viagem,
como se já não bastasse:
baratas.
Não sei matá-las sozinha.

Indefesa, meu bem,
indefesa.

Faz um dengo,
faz minha vontade?

Volta logo.
domingo, 3 de janeiro de 2010
Kátia Portes Leão
Pra ti, menina, meu abraço.
Pois é, menina,

Diante de garoa, chuva ou tempestade,
não são todos os toldos desta cidade
que podem abrigar minhas úmidas vontades.

Alguns cômodos, camas ou casas inteiras são menores que eu.

Pode ser sim que me falte ousadia. De fato.
E talvez eu tenha mesmo demasiada inocência.
Inda sou incapaz de certas coisas.

Não caibo em todas as cidades.
Não me encontro em todos os meus eus.
Desabito-me.
Sou desconhecida e viajante.
Assumo minhas infâncias.

[meus abraços são terrivelmente sinceros
e minhas intenções, muito sabidas]

Minha savana, meu lar, é meu sagrado, meu templo.
Desenlame os pés, por sutil gentileza, antes de adentrá-lo.

Pois é, menina,
dá-me aqui, um abraço.
Ser humano inda não tem cura.
O erro é tão comum quanto a mediocridade.

Não pertenço a este mundo. De fato.
Estou efêmera hoje
e, diga-se de passagem,
momentaneamente poética.

Importo-me, em verdade, muito pouco em parecer ou ser ridícula.
A vida é muito pouco lírica.
Concretizemo-la rapidamente!

No tapete, frente à minha porta, pisam apenas pés descalços

que eu quero refrescar minhas costas quentes.

Mas menina, como ia dizendo:
toma aqui meu abraço.


segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Kátia Portes Leão
Bastiana

No seu rosto, vó Bastiana, vejo o tempo.
Óbvio assim: vejo o tempo escorregando, infante, pelas rugas, pelas frestas - teus segredos tão antigos.

Quando resolvo te incomodar aos domingos com minhas visitas, tento recuperar o perdido, a memória, o tesouro.

E driblo o sono, te acompanho. Ouço, palavra por palavra, teus resmungos e tuas lembranças.
Concordo que os escorpiões sejam perigosos, vó Bastiana.
E que os pecados se alastram por aí? Sim. Concordo. E talvez não falemos sobre os mesmos pecados. Somos registros de dois tempos, ponteiros conversam. As horas passam.

Minha memória se confunde com a tua, vó Bastiana. Longe de mim violentar teus comentários com o giro cruel de uma fita no gravador. Quero ser capaz de guardar, nafitalinamente, teus comentários de seda, algodão agreste.

Mas tudo se esvai num instante. Ai, esse tempo! Que meus ouvidos são só dois e teus relatos ficam entrelaçados nos fios dos meus sentidos, ouço e não ouço, vó Bastiana, entende?
Meus ouvidos acariciam tuas palavras que me chegam, como viajantes solicitando meus repousos.

Meus olhos te percebem, atentos, doces, amendoados. Temos lá nossas semelhanças - por dentro e por fora do sangue, temos. Tempos.

Dona Nair, vó Bastiana e eu, conversamos nesta última vez, até nossos olhos reclamarem.
Contavam da casa de tia Rita - que insistia em economizar as luzes, apagava todas, deixava as visitas no breu da noite. O medo da assombração assolava as crianças que corriam, desesperadas, pela casa. O pavor dos mortos cujos retratos ainda faziam parte da decoração: retratos e mais retratos, suas caras espreitando....
... Dona Nair, sabidamente ressuscitando a alma mineira, pergunta:
- Mas não faltava comida, não é, mãe?
A vó Bastiana completa: - Ah, comida não faltava não!

O prazer da mesa farta - de gente, de perfumes, de comida.

Quando, às seis do dia seguinte, momento do dia em que vó Bastiana sempre se dedicou a observar o horizonte, ela disse:
- Ah, Kátia, a boca da noite é tão triste, você não acha?

Sorri.
Se inda me resta alguma poesia,
descobri de onde ela invém.

.............................................
 

01 janeiro 2010

dois poeminhas secos e um caudaloso (pra começar um ano)

Dezembro de 2009
DOIS DEDINHOS DE ESPECULAÇÃO ONTOLÓGICA

( NA RESSACA DE COPENHAGUE )

 

eu

eus

eus no caos

nós no caos

nós

.

 

eu

= nó no caos

nós  no caos

= rede

. 

 

nós na rede

.

 

sustentados?

presos?

pescando?

pescados?

 

(
tende piedade de nós
pescadores

agora
e na hora da nossa

recaotização !
)

 

 


As festas da virada do ano mundo afora, todas à base de luz, me fizeram lembrar deste trecho do meu projeto poético mais ambicioso, um poema cênico escrito aos 25, ainda nunca publicado nem montado:

 

De 1982

INTERMÉDIO: EVOCAÇÕES
(O Auto da Paixão da Cidade - quadro V)

quando o homem veio das estrelas

o mundo não lhe tinha cor ou cheiro

além dos que de graça dava

             quando bem queria,

sua grande mãe.

 

escondidos estavam os perfumes

e as cores, e os vôos da embriaguez,

no colo da substância,

na carne das pedras, das plantas,

só aqui e ali eclodindo

na graça e presente do cristal,

             da plumagem,
da flor.

no sangue dos caules, das folhas,

e nos miolos silenciosos das raízes

cochilavam, ocultos, calores,

                               cores,

e os vôos da embriaguez.

dormiam. e ao que ia ser homem

não davam notícia ou favor.

                                                              até

que ele sonhasse forças para explorar-te,

juntasse forças pra penetrar-te,

que encontrasse a esposa

                         pela qual havia de trocar-te,

ó velha mãe!

 

 

       cidade! cidade!

       para ele preparada

       por cem turnos de anjos

       dirigidos por seus arcanjos

       sob os olhos dos arqueus    

       cidade!...

       que serpente passou pelo teu caminho e 
                            ‑ tão cedo ‑
                                                       te seduziu?

 

em ti segredos foram abertos

mistérios desvendados

um a um;

em ti conseguimos favores
das pedras,

do ferro e dos seus companheiros,

e o calor escondido nos troncos,

        no solo

        e até mesmo nos rios,

conseguimos por proteção

contra a ameaça anual

(pra apontar nossa vaidade)

que o sol faz

de se retirar.

 

fizemos vibrar toda matéria

enchendo-te de som e ritmo

e pra melhor neles dançarmos

desescondemos de entre os mistérios

uns trinta tipos de embriaguez ‑

                             e das substâncias

                             mais sutis

inventamos artes

até para o nariz.

 

ervas, resinas, incensos,

vinhos,

cafés,

e ametistas,

e linhos,

topázios e púrpuras,

e os chás, e as pimentas, e os óleos, e
         (ah!...)

a doçura do açúcar.

 

e grãos,
grãos inteiros, cozidos,

moídos, assados, grãos

fermentados, bebidos...

e vinhos! e vinhos, licores, e pedras,

e pratas, pepitas cintilantes,

e os cafés, e os chás, e os fumos todos, e tudo

que faça brilhar nossos olhos,

       por dentro,

       por fora,

brilhantes e luzes,

e vinhos,

e pós,                                                  e tudo

tudo que nos envolva em brilho,             tudo

                                              que nos dissolva em luz!

 

       queremos esquecer o frio e o escuro deste mundo!

       queremos afogar a nostalgia das estrelas!

       pra ser deuses e não bichos fomos feitos,

 

                                                    temos fome de luz!

 

 

cidade, ah cidade, luminosa esposa

tão longamente esperada ‑

que serpente te passou pelo caminho

                                                         e te prostituiu?

 


Dezembro de 2009

CIFRAS BREVES DE UM DISCURSO LONGO

( ÀS MARGENS DO RIO DA INFORMAÇÃO )

 

ninguém sabe por onde tenho andado.
o mundo não interessa a ninguém.

 

cada nuvem de mosquitos com sua própria delícia...

se algures há flit, e daí?

 

no entanto não labuto em desespero

esperança tem mais força que razão

 

.

25 dezembro 2009

um pequeno Apocalipse custom-made de presente de Natal

Agora a imprensa vem publicar "o que os especialistas dizem" sobre os riscos psicológicos ao menino Sean Goldman. Por que ninguém perguntou e publicou antes?

E quando nós, especialistas brasileiros (de uma forma ou de outra, porém sim especialistas), tentamos dizer precisamente o mesmo que os especialistas estadunidenses estão dizendo agora, pelo menos aqui na "imprensa aberta internética" (já que na grande imprensa e/ou na justiça ninguém nos ouviria), fomos quando muito ridicularizados, se não sumariamente ignorados.

"O senhor é pedagogo e não psicólogo", me respondeu um cidadão que da sua parte não apresentou sua qualificação profissional, nem disse uma só palavra que sugira que tenha conhecimentos quer de Pedagogia, quer de Psicologia (como se fossem coisas tão separadas assim, especialmente no que se refere a crianças!)

Vejam as opiniões dos especialistas estadunidenses que o UOL publicou nesta linda manhã de Natal..., depois das quais vai o que eu já achava antes de ler uma linha que fosse da opinião de qualquer outro profissional.

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25/12/2009 - 09h11
Sean sofreu 'apocalipse psicológico' e adaptação será difícil, diz especialista
http://noticias.uol.com.br/bbc/2009/12/25/ult5017u453.jhtm

Sites de emissoras de TV nos Estados Unidos, como a ABC News e a CBS, publicaram textos sobre os possíveis problemas psicológicos que o garoto poderá enfrentar no seu retorno aos Estados Unidos após cinco anos.

Especialistas em desenvolvimento de crianças receiam que a longa batalha internacional pela guarda do menino terá fortes consequências.

De acordo com a psicóloga Jenn Berman, o garoto terá inúmeras dificuldades de adaptação.

"No curto prazo, ele deverá se adaptar a uma cultura completamente diferente e a um mundo que não é nada familiar para ele", afirmou Berman.

A médio e a longo prazos, de acordo com a psicóloga, as dificuldades serão ainda maiores.

"Ele teve um trauma depois de outro trauma", disse, referindo-se a situações como o divórcio dos pais e a morte da mãe. Além disso, é possível que Sean não esteja ciente da batalha travada pelo pai para recuperar sua guarda e tenha interpretado a distância como abandono.

"As crianças se recuperam rapidamente, mas esse garoto tem muitos desafios pela frente." "Emocionalmente falando, trata-se de um apocalipse psicológico", resumiu.

Harold Koplewick, diretor do Nathan S. Kline Institute for Psychiatric Research, diz que vai demorar um pouco até que o garoto se sinta adaptado à nova vida, e seu pai deverá ter muita paciência para ajudá-lo.

Famílias Os especialistas, no entanto, são unânimes em afirmar que o melhor para o menino é manter o relacionamento com ambos os lados de sua família.

"É importante compreender que esse garoto está ligado a ambas famílias, no Brasil e nos EUA", afirmou Judith Myers-Walls, especialista em desenvolvimento de crianças.

De acordo com ela, não importa como o caso foi finalizado, já que o trauma no processo é inevitável.

Judith diz que, além de estar separado do pai por cinco anos, ele também enfrentou a morte da mãe e o constante conflito da batalha por sua guarda, que durou a maior parte de sua vida.

Para ela, o impacto final de todos esses traumas só será conhecido em anos, mas a atitude dos adultos envolvidos no caso será fundamental para amenizar os problemas.

Denise Carter, diretora da Reunite, uma organização que oferece ajuda a famílias em situação semelhante à de Sean, há "várias histórias de sucesso", inclusive de casais que viveram situações altamente conflitantes mas conseguiram, após mediação, conviver de forma a prover o melhor ambiente familiar para a criança.

Para ela, o ideal é que Sean tenha acesso aos dois países e às duas culturas.

"Nós temos de nos concentrar naquilo que realmente é o melhor interesse da criança, não necessariamente no que é o desejo dos pais", disse Carter à BBC Brasil.

Durante o voo que o levava com o filho de volta aos Estados Unidos, David Goldman disse que irá permitir visitas da família brasileira a Sean, ainda que isso "leve tempo" para acontecer.

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Agora falo eu...
 
Provavelmente a única chance de escapar de um desastre absoluto é que o pai passe agora a dizer ao garoto todos os dias que adora a família brasileira, que foi pena que alguma coisa tenha obrigado a que o processo de volta aos EUA tenha tido que ser assim, sem culpar jamais a família brasileira e sim, ao contrário, facilitando seu contato virtual freqüentíssimo - e também o reencontro físico dentro de não tanto tempo assim".

Se o pai não fizer isso, as principais alternativas do que pode acontecer são:

(1) O pai não consegue seduzir o menino, que...
(1a) passa a atacá-lo e/ou atacar a nova sociedade - sem absolutamente nada que impeça de isso chegar ao nível dos maiores crimes; só não uso aqui a palavra 'psicopatia' porque para sê-lo de modo característico a separação traumática deveria ter ocorrido mais cedo (até quê idade, admito que preciso voltar à literatura sobre isso);
(1b) pode se fechar em si mesmo numa atitude de aparência similar a um autismo.

(2) O pai consegue seduzir o menino, acarretando com isso, porém, inevitavelmente, uma sensação de culpa tão grave e insuportável que conduz à cisão da personalidade (uma parte fiel ao pai, outra à família brasileira). Isto é: esquizofrenia e/ou quadros correlatos. De novo, sem nenhuma garantia de que não haja violência contra o pai, contra outras pessoas e coisas, ou contra si mesmo.

Aliás, nos dois casos o risco de comportamento suicida está presente. No segundo isso talvez seja mais grave porque a própria capacidade de racionalidade nas ações estará comprometida pela cisão.

Ou seja: esse pai chamou para si um concentração monumental de riscos. Se conseguir se sair bem dessa, eu no fim até terminarei tirando meu chapéu para ele.
 
Mas exclusivamente para ele, e não para as autoridades (ir)responsáveis dos dois países, que não pararam para ouvir o menino nem chamaram consultoria psicológica antes de decidir. Irresponsabilidade criminosa, não menos.

(Inclusive daquela mãe desnaturada que, em tudo que faz e diz, andaria sendo Hilária se as conseqüências não fossem trágicas).
 
Ainda uma palavra sobre a substância e natureza da (ir)responsabilidade das autoridades
 
Está envolvida nesse caso uma questão de método importantíssima mas pouquíssimo reconhecida, que incide sobre qualquer análise e qualquer planejamento de ações: saber distinguir as dimensões diacrônica (como a questão vem se desenrolando no tempo, como chegou aqui) e sincrônica (qual é a dinâmica de uma questão num dado momento, independente de como veio até aqui). 
 
Creio que quem introduziu essas palavras foi o antropólogo-lingüista Saussurre, e ignoro se alguém antes trabalhou sistematicamente com essa mesma distinção sob outras palavras - mas isso na verdade não faz diferença, as ideias valem pela verdade e eficiência que mostram na prática, não faz a menor diferença quem disse.
 
Enfim: no caso do menino Sean, a dimensão diacrônica é como a história se desenrolou no tempo, e como chegou onde chegou. Não há dúvida que houve inúmeros erros (se não, nem teria chegado onde chegou), pessoalmente duvido que os erros tenham sido só da família brasileira - mas na verdade meu interesse sobre essa dimensão é mínimo.
 
Na hora de implementar uma ação, é preciso saber abstrair totalmente o "como se chegou aqui", "como as coisas deviam ter sido feitas antes e não foram", e concentrar no "como se sai daqui com menos dano e/ou mais benefícios". 
 
Não separar essas dimensões é irresponsabilidade. Não saber separar essas dimensões é despreparo para a ação no campo que estiver em questão (para não usar a palavra "incompetência", tão feia e de sabor tão burguês).
 
Estava ao alcance das autoridades ordenar os procedimentos de modo a minimizar os danos - de modo que não tê-lo feito é crime. Ainda se não for sob a legislação, moralmente é.
 
É óbvio que esse princípio vale para todos os casos, e não só para esse onde o padrasto é da elite e o caso apareceu na imprensa. Há milhões de injustiças iguais ou maiores acontecendo no país sem visibilidade nenhuma? Óbvio que há. Mas se temos este caso diante dos olhos no momento, seria bobeira não aproveitar para extrair dele todos os aprendizados possíveis, inclusive tendo em vista os casos que continuam à espera na invisibilidade, mas espero que não para sempre!

24 dezembro 2009

O NATAL MÁGICO DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO / à espera de um milagre!

Antes da parte triste, quero mandar um verdadeiro presente precioso, a frase que "estalou" na amiga NaT, do Portal Luis Nassif, ao fazer um comentário hoje:
 
" LAÇOS VÁLIDOS SÃO OS DO AMOR, OS BIOLÓGICOS SÃO OCASIONAIS "
 
E agora, coragem:
 
Na Véspera do Natal de 2009, por ordem do excelentíssimo senhor doutor Gilmar Mendes,
  • um abastado médico acusado de 56 crimes sexuais foi posto em liberdade
  • um menino de 9 anos foi obrigado a deixar o seu grupo afetivo de referência e seguir viagem com pessoas que para ele são estranhos, sem que sua voz pudesse ser ouvida publicamente a respeito do assunto nem uma única vez
 Nos poucos dias anteriores, o judiciário brasileiro ainda
  • proibiu 3 pacatos cidadãos franceses, ao que parece pessoas simples, de voltarem para seus lares até pelo menos 7 de janeiro: foram presos porque protestaram e quiseram desembarcar de uma aeronave da TAM onde já estavam retidos há quatro horas sem receber nenhuma informação em francês, apesar de haver cem franceses à bordo; elementos perigosíssimos, como se vê
  • proibiu pelo menos até fevereiro a continuidade das investigações sobre os fartamente evidenciados crimes do Sr. Daniel Dantas e do grupo Opportunity
Diante disso, suspeito que não nos reste senão reativar a fé em milagres, a que o próprio Presidente apelou dias atrás, no sentido de que...
  • uma copiosa chuva de sensibilidade, bom senso e honestidade efetue uma metánoia, uma conversão profunda nas cabeças dos togados e demais detentores de poderes no país
  • que essa mesma chuva caia aliás sobre os cidadãos brasileiros em geral, cuja maioria foi capaz de apoiar o crime legalizado perpetrado contra o menino Sean, mostrando que os valores do patriarcalismo, ovo de serpente do fascismo, continuam bastante bem preservados entre nós
  • que, de resto, o Outro Mundo se digne a resgatar logo para si diversas múmias que esqueceu no Brasil em posições privilegiadas...
Taí: não teve sininhos nem renas nem manjedouras, mas estão aí meus votos EFETIVAMENTE SINCEROS de um mundo melhor a partir deste Natal!
 
PS: PARA QUEM QUISER UM NATAL MAIS METAFÍSICO, re-ofereço (pois não perdeu nada da validade)
o texto que distribuí no ano passado, MINHA CONVERSA NATALINA COM O MONGE JOSEFUS
http://pluralf.blogspot.com/2008/12/minha-conversa-natalina-catablica-e_26.html  :-D
 
......................................................................
Ralf Rickli • arte em idéias, palavas & educação
http://ralf.r.tropis.org • 11 8552-4506 • São Paulo

23 dezembro 2009

Uma criança e seu destino VENDIDOS pelo bem do nosso comércio exterior & o Judiciário como bastião da opressão

Primeiro vai a notícia, em seguida os comentários
 
Da BBC Brasil - 23/12/2009 - 07h22
Cai represália contra Brasil nos EUA após decisão do STF sobre Sean
http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u670390.shtml

O Senado americano aprovou por unanimidade a extensão do programa de isenção tarifária que beneficia as exportações brasileiras e de mais 131 países, depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou a entrega do menino Sean ao seu pai, o americano David Goldman, na terça-feira (22).

Na semana passada, o senador do Partido Democrata Frank Lautenberg, de Nova Jersey (mesmo Estado do pai de Sean), havia apresentado uma moção suspendendo a votação em retaliação ao Brasil, por conta da disputa pela guarda do menino.

Na última quinta-feira (17), depois de a Justiça brasileira ter determinado a devolução de Sean para o pai, o ministro do STF Marco Aurélio de Mello aceitou o pedido de habeas corpus impetrado pela família brasileira do menino, e determinou que o menor deveria ser ouvido antes de a decisão final.

A medida adiava a volta de Sean para os Estados Unidos, já que ele só poderia ser ouvido pelo Tribunal em fevereiro, depois do fim do recesso.

Mas na terça-feira, o presidente do STF, Gilmar Mendes, analisou dois mandados apresentados --um pela AGU (Advocacia Geral da União) e outro pelo pai do menino --e cassou a liminar de Mello, permitindo a volta imediata de Sean para os Estados Unidos.

Depois de anunciada a última decisão do STF, o senador americano retirou sua oposição ao projeto.
O programa de isenção de impostos --conhecido como SGP (Sistema Geral de Preferências)-- estende por um ano os benefícios tarifários ao comércio exterior dos Estados Unidos com 132 países, permitindo que eles exportem cerca de 3.400 produtos livres de impostos para os Estados Unidos.

Segundo a agência de notícias "Associated Press", o Brasil é o quinto maior beneficiário do programa e teria economizado cerca de US$ 2,75 bilhões em isenções, no ano passado, segundo um porta-voz de Lautenberg. Com a aprovação no Senado, agora cabe ao presidente Barack Obama assinar a medida.

Sean Goldman nasceu nos Estados Unidos, filho de mãe brasileira --Bruna Bianchi-- e do americano David Goldman. Em 2004, ele foi ao Brasil de férias com a mãe e de lá, Bruna comunicou ao marido que estava se separando e pretendia ficar no Brasil. Desde então, o pai vem disputando a guarda do filho. No ano passado, no entanto, a mãe de Sean morreu no parto de sua segunda filha.

O menino passou a ficar sob os cuidados dos avós maternos que agora, junto com o segundo marido de Bruna, João Paulo Lins e Silva, disputam a guarda de Sean com o pai.

Mais notícias de hoje sobre o caso:
STF determina entrega imediata de Sean ao pai americano
CNN interrompe programação para anunciar decisão sobre Sean


Claro que quero que o comércio exterior brasileiro se dê bem, mas... às custas de fazer calar um menino sobre o seu próprio destino?!

O que estava em questão não era nem ele ficar com a família brasileira, e sim apenas que ninguém decida seu destino sem ouvi-lo pessoalmente!! Nem esse mínimo respeito as crianças merecem?
 
Se Sean for infeliz nos Estados Unidos, pelo menos um dia o Brasil poderá homenageá-lo como um mártir do seu desenvolvimento, já que ele está sendo vendido por isso!!
 
Mas o que isso mais faz pensar é sobre certos aspectos do sistema judiciário!
 
Que a decisão anterior de entregar a criança tenha sido tomada pelo STJ às vésperas do recesso, isso já é suspeito, por isso não se pode acusar a família brasileira de haver jogado com a data para conseguir mantê-lo no Brasil pelo menos até fevereiro: ela estava apenas se defendendo do golpe do STJ que, esse sim, evidentemente estava jogando com a data.
 
Aliás, quê setor vital da sociedade pode ter direito de entrar em 'férias' coletivamente durante mais de um mês e deixar a sociedade inteira esperando?
 
Lula não pode decidir sobre Battisti porque tem que esperar meses até que os doutos dignos se dignem a apenas pôr no papel o que já decidiram: não tem a menor importância se meio ano da vida de alguém é passado em liberdade ou da prisão, os digníssimos trabalharão quando lhes aprouver.
 
Agora o destino inteiro - a sanidade mental de um futuro adulto - está em questão. Se não for feito um processo de transição adequado e Sean entrar em angústia intensa por se ver separado daqueles que ele considera os seus e em poder de alguém que ele sente como um estranho (não importa o que a lei diga a respeito), algumas horas dessa angústia são suficientes para deixa seqüelas psíquicas e físicas para sempre. Stress intenso mata neurônios e com grande freqüência faz de suas vítimas depressivos irreversíveis. Verifiquem as pesquisas recentes sobre isso, senhores, antes de pretender decidir sobre a vida de quem quer que seja!
 
Ou seja: foi autorizado um processo que em algumas horas pode deixar seqüelas graves para uma vida inteira - mas fiquem tranqüilos: daqui a quarenta dias os juízes voltam para julgar o caso em definitivo.  Felizes férias, meritíssimos...
 
Até quando seremos reféns da combinação de prepotência & preguiça togadas? Isso é apenas mais uma ditadura do arbítrio (como todas as ditaduras, aliás) covardemente escondida atrás do discurso da competência, da necessidade de saber técnico. O saber, se é que há, somente lhes CAPACITA A SERVIR, senhores, não lhes autoriza a fazer o que bem querem de vidas humanas, somente porque é o que querem, e ainda por cima quando querem.
 
Se a lei-como-está lhes autoriza, ela é moralmente ilegítima, e os senhores SABEM disso.
 
Sabem disso, e no entanto continuam se esbaldando no prazer ilegítimo do mandar-pelo-mero-gosto-de-mandar (isso se é que não há outro tipo de intere$$es em alguns casos).
 
Em lugar de Casa da Justiça, o que os senhores vêm mostrando ser é o Último Bastião da Opressão, num mundo que, ainda que com falhas, vem pouco a pouco conseguindo democratizar e tornar menos opressivas as demais estruturas.
 
Até quando, senhores?
 
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P.S: Diferente de Luis Nassif, que em seu blog vem sendo talvez a voz de maior destaque contra a manipulação arbitrária da vida de uma criança pelo judiciário sem consideração de seus sentimentos, o também excelente jornalista Luiz Carlos Azenha considerou a decisão "dolorida mas necessária", pois "os direitos do pai haviam sido desrespeitados".
 
Dolorida para quem? Só para a criança e seus familiares brasileiros, mas sobretudo para a criança.
 
E o ganho é de quem? Sobretudo da imagem do poderio estadunidense, que vinha sendo arranhada. Em segundo lugar, da vaidade gratuita de um macho, que chamam de "pátrio poder" ou "direitos de pai".
 
Pois se esse pai de fato amasse o seu filho, não acredito que tivesse posto em prática o artifício proposto pelos seus advogados. A avó materna diz ter provas de que nunca proibiram o pai de ver o menino, e que o convidaram várias vezes à sua casa, inclusive oferecendo-se a pagar a passagem - mas que os advogados o haviam orientado a não ver o menino para não descaracterizar o caso como seqüestro diante da Convenção de Haia. E ele fez isso, durante anos. Amor ao filho ou amor ao poder - ou ainda a sabe-se lá que vantagem mais?
 
Enfim: a vida é da criança, mas os direitos sobre essa vida são do pai...  sem ao menos ouvi-la!
 
Deixei no site do Azenha a observação de que esse caso está me fazendo levar a sério teorias antropológicas, sociológicas e psicológicas que eu antes desprezava: as que veem todas as formas de opressão como ramificações de uma mesma raiz chamada PATRIARCALISMO.
VÁRIOS OUTROS TEXTOS MEUS SOBRE ESTE TEMA ESTÃO POSTADOS NO MEU BLOG NO PROTAL LUIS NASSIF, em:

22 dezembro 2009

A espantosa história da reunião de Obama com o grupo BASIC, segundo o Financial Times

O relato sobre Copenhague 2009 publicado hoje no Financial Times conclui com o que me parece a história mais espantosa dessa conferência já não pouco surpreendente.

Conta como teria começado a famosa reunião de Obama com os líderes de um certo grupo BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China), surgido de repente no lugar do já bem conhecido BRIC - reunião cuja foto foi distribuída pelo New York Times e reproduzida entre nós pelo Azenha (tentarei inserir também aqui), e que, a crer em diversos relatos, teria sido um dos momentos mais decisivos de toda a conferência...
 
Justo porque teria sido tão importante a história fica sendo tão espantosa - e, pelo menos para o meu gosto, saborosa - que resolvi traduzir e compartilhar:

O encontro de Barack Obama com os líderes das maiores economias em desenvolvimento, na sexta à noite, talvez tenha sido o acontecimento mais cômico [farcical: farsesco, burlesco] dessas duas semanas de confusão. Às 7 da noite o líder da maior economia do mundo deveria se reunir com Wen Jiabao, o primeiro ministro chinês, numa sala nos fundos, isolada do resto da conferência por forte segurança.

O Sr. Obama adentrou a sala e - de acordo com fontes dos EUA - descobriu que o interlocutor pretendido já se encontrava lá - profundamente entretido em conversações com Manmohan Singh, o primeiro ministro indiano que, segundo havia sido dito aos americanos, já teria ido embora da conferência, juntamente com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e o da África do Sul, Jacob Zuma.

O líder dos Estados Unidos chamou alto: "vocês já estão prontos para falar comigo?"
[called out: "Are you ready for me?"]. Não havia lugar à mesa, mas o Sr. Lula deu uma espremida na roda, dando lugar para que o Sr. Obama puxasse uma cadeira e sentasse.

Fonte: Financial Times - 21.12.2009, 02h00 (parágrafos finais)
http://www.ft.com/cms/s/0/a1da3524-edcf-11de-ba12-00144feab49a.html
 
Do NYT, http://graphics8.nytimes.com/images/2009/12/18/world/18cnd-climate-2/articleLarge.jpg

19 dezembro 2009

MEGALOMANIA DE QUEM, CARA PÁLIDA?

Enviei a seguinte mensagem para o Painel do Leitor da Folha hoje. Pouco provável que publiquem, e menos provável ainda que inteira. Por essas e outras compartilho também por outros canais.

Lemos na própria Folha de hoje (19.12.2009): "Lula ... recebeu em seu hotel Nicolas Sarkozy (França), Angela Merkel (Alemanha) e Gordon Brown (Reino Unido), além do premiê chinês, Wen Jiabao. Os europeus, segundo o Itamaraty, procuraram Lula em busca de mediação com o G-77, dos países em desenvolvimento. Depois, o brasileiro faria a ponte entre Obama e Wen, na busca de uma linguagem adequada para atender aos dois antagonistas no texto final."
 
Incontáveis outras fontes confirmam os fatos e reforçam a imagem.
 
E aí Clóvis Rossi me sai com essa: "Quando Lula abandona a megalomania de acreditar que o que diz será seguido pelo mundo todo, quando fica claro que não funcionam suas seguidas ameaças de telefonar para Obama e Hu Jintao para enquadrá-los, aí sim o Brasil sai bem na foto."
 
O mundo inteiro 'babando' pelas habilidades do nosso presidente já demonstradas na prática... mas é a Folha quem detém o critério para avaliá-lo. Megalomania de quem, cara pálida?
 
Ralf Rickli

papel de Lula em Copenhague, na própria Folha

Destaco para os amigos algumas coisas em vermelho na matéria abaixo. (Consuelito, cuando escribí Três raízes, dez mil flores, en 1992, dijiste que lo único que no te gustó fué cuando yo dije que, si Brasil tiene una misión histórica, esa sólo puede tener que ver con la forma adecuada de encontrar el otro, el diferente; 'com a descoberta do que é o comum entre nós, [...] não pela destruição das diferenças, mas pelo aprofundamento da nossa visão até para além delas". Eso te pareció tontería en aquel momento...) Ralf
 

 
Reprodução da versão na Folha impressa (restrita):
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1912200903.htm
 
São Paulo, sábado, 19 de dezembro de 2009

COPENHAGUE 2009

Lula faz ponte entre EUA e China

Brasileiro foi procurado por líderes de países ricos que tentavam dialogar melhor com emergentes

Discurso do presidente indicou frustração e foi o mais aplaudido na plenária; "Todos poderíamos oferecer um pouco mais", afirmou


DOS ENVIADOS A COPENHAGUE

Nenhum dos líderes que subiu ontem ao púlpito do Bella Center, o centro que abrigou a malfadada conferência do clima da ONU, foi tão aplaudido como Luiz Inácio Lula da Silva.

Por cerca de dez minutos, 119 chefes de Estado e de governo, reunidos para tentar salvar um acordo no último minuto, ouviram um Lula tão frustrado quanto eloquente. Falando de improviso, chamou a atenção dos países desenvolvidos por falharem no que poderia ser o acordo do século e lamentou as consequências do fracasso para os países mais vulneráveis.

Quatro longas salvas de palmas pontuaram o momento, que em nada lembrou a morna fala da véspera, quando o brasileiro elencara boas intenções sem surpreender nem cativar.

E, diferentemente da quinta-feira, Lula pôs um trunfo na mesa para tentar destravar o impasse fermentado nos últimos 12 dias: uma oferta de contribuição em dinheiro para um fundo global do clima, como a Folha havia adiantado já na quarta-feira que o Brasil faria.

"Se for necessário fazer um sacrifício a mais, o Brasil está disposto a colocar dinheiro também para ajudar os outros países", disse, sem detalhar. "Estamos dispostos a participar do financiamento se nós nos colocarmos de acordo numa proposta final, aqui."

Mas, após uma reunião com outros líderes que adentrou a madrugada e que continuaria horas depois, o presidente se mostrava sem esperança. "Se a gente não conseguiu fazer até agora esse documento, não sei se algum anjo ou algum sábio descerá neste plenário e colocará na nossa cabeça a inteligência que faltou até agora."

A fala catalisou os ânimos no evento. Minutos depois Barack Obama assumiria o púlpito com um discurso cheio de senões, em que repassou aos chineses a responsabilidade pelo fracasso que, para a maioria das delegações, cabia a ele.

Mediação
A performance de Lula contrastou não só com a do presidente americano, mas com a de sua chefe de delegação, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), que sumiu de cena quando o presidente chegou.

Desde suas primeiras horas em Copenhague, Lula encarnou o papel de articulador entre ricos e emergentes.
Recebeu em seu hotel Nicolas Sarkozy (França), Angela Merkel (Alemanha) e Gordon Brown (Reino Unido), além do premiê chinês, Wen Jiabao. Os europeus, segundo o Itamaraty, procuraram Lula em busca de mediação com o G-77, dos países em desenvolvimento.

Depois, o brasileiro faria a ponte entre Obama e Wen, na busca de uma linguagem adequada para atender aos dois antagonistas no texto final.

Mas os resultados do esforço não satisfizeram o presidente, que saiu do Bella Center, sem falar à imprensa, direto para o aeroporto. As pistas de seu estado de espírito transpiraram da plenária: "Todos poderíamos oferecer um pouco mais se tivéssemos assumido boa vontade nos últimos períodos".

Lula cedeu na questão financeira e, sobretudo, propôs reduções ambiciosas nas emissões de gases-estufa pelo país.

Só não recuou no que o Brasil sempre pôs como inegociável: assinar um acordo que desmontasse o Protocolo de Kyoto, único documento legal contra o aquecimento global, que fixa diferenças nas responsabilidades de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Ele expira em 2012.
(LC, CA, MS)


O DISCURSO REFERIDO ESTÁ AQUI, NA ÍNTEGRA:
 

O discurso de Lula em Copenhague

Atualizado e Publicado em 18 de dezembro de 2009 às 18:13

Senhor presidente, senhor secretário geral, senhores e senhoras chefes de Estado, senhores e senhoras chefes de governo, amigos e amigas.

Confesso a todos vocês que estou um pouco frustrado. Porque há muito tempo discutimos a questão do clima e cada vez mais constatamos que o problema é mais grave do que nós possamos imaginar. Pensando em contribuir para a discussão nesta conferência, o  Brasil teve uma posição muito ousada. Apresentamos as nossas metas até 2020.

Assumimos um compromisso e aprovamos no Congresso Nacional, transformando em lei, que o Brasil, até 2020, reduzirá as emissões de gases de efeito estufa de 36,1% a 38,9%, baseado em algumas coisas que nós consideramos importantes: mudança no sistema da  agricultura brasileira; mudança no sistema siderúrgico brasileiro; mudança e aprimoramento da nossa matriz energética, que já é uma das mais limpas do mundo, e assumimos o compromisso de reduzir o desmatamento da Amazônia em 80% até 2020.

E fizemos isso construindo uma engenharia econômica que obrigará um país em desenvolvimento, com muitas dificuldades econômicas, a gastar até 2020 US$ 166 bilhões, o equivalente a US$ 16 bilhões por ano. Não é uma tarefa fácil, mas foi necessário tomar  essas medidas para mostrar ao mundo que, com meias palavras e com barganhas, a gente não encontraria uma solução nesta Conferência de Copenhague.

Tive o prazer de participar ontem à noite, até às duas e meia da manhã, de uma reunião que, sinceramente, eu não esperava participar, porque era uma reunião onde tinha muitos chefes de Estado, figuras das mais proeminentes do mundo político e,  sinceramente, submeter chefes de Estado a determinadas discussões como nós fizemos antes (ontem), há muito tempo eu não assistia.

Eu, ontem, estava na reunião e me lembrava do meu tempo de dirigente sindical, quando estávamos negociando com os empresários. E por que é que tivemos essas dificuldades? Porque nós não cuidamos antes de trabalhar com a responsabilidade com que era  necessário trabalhar. A questão não é apenas dinheiro. Algumas pessoas pensam que apenas o dinheiro resolve o problema. Não resolveu no passado, não resolverá no presente e, muito menos, vai resolver no futuro. O dinheiro é importante e os países pobres precisam de dinheiro para manter o seu desenvolvimento, para preservar o meio ambiente, para cuidar das suas florestas. É verdade.

Mas é importante que nós, os países em desenvolvimento e os países ricos, quando pensarmos no dinheiro, não pensemos que estamos fazendo um favor, não pensemos que estamos dando uma esmola, porque o dinheiro que vai ser colocado na mesa é o pagamento  pela emissão de gases de efeito estufa feita durante dois séculos por quem teve o privilégio de se industrializar primeiro.

Não é uma barganha de quem tem dinheiro ou quem não tem dinheiro. É um compromisso mais sério, é um compromisso para saber se é verdadeiro ou não o que os cientistas estão dizendo, que o aquecimento global é irreversível. E, portanto, quem tem mais  recursos e mais possibilidades precisa garantir a contribuição para proteger os mais necessitados.

Todo mundo se colocou de acordo que precisamos garantir os 2% de aquecimento global até 2050. Até aí, todos estamos de acordo. Todo mundo está consciente de que só é possível construirmos esse acordo se os países assumirem, com muita responsabilidade, as suas metas. E mesmo as metas, que deveriam ser uma coisa mais simples, tem muita gente querendo barganhar as metas. Todos nós poderíamos oferecer um pouco mais se tivéssemos assumido boa vontade nos últimos períodos.

Todos nós sabemos que é preciso, para manter o compromisso das metas e para manter o compromisso do financiamento, a gente, em qualquer documento que for aprovado aqui, a gente tem que manter os princípios adotados no Protocolo de Kyoto e os princípios  adotados na Convenção-Quadro. Porque é verdade que nós temos responsabilidades comuns, mas é verdade que elas são diferenciadas.

Eu não me esqueço nunca que quando tomei posse, em 2003, o meu compromisso era tentar garantir que cada brasileiro ou brasileira pudesse tomar café de manhã, almoçar e jantar. Para o mundo desenvolvido, isso era coisa do passado. Para a África, para a América Latina e para muitos países asiáticos, ainda é coisa do futuro. E isso está ligado à discussão que estamos fazendo aqui, porque não é discutir apenas a questão do clima.

É discutir desenvolvimento e oportunidades para todos os países. Eu tive conversas com líderes importantes e cheguei à conclusão de que era possível construir uma base política que pudesse explicar ao mundo que nós, presidentes, primeiros-ministros e especialistas, somos muito responsáveis e que iríamos encontrar uma solução. Ainda acredito, porque eu sou excessivamente otimista. Mas é preciso que a gente faça um jogo, não pensando em ganhar ou perder. É verdade que os países que derem dinheiro têm o direito de exigir a transparência, têm direito até de exigir o cumprimento da política que foi financiada. Mas é verdade que nós precisamos tomar muito cuidado com essa intrusão nos países em desenvolvimento e nos países mais pobres. A experiência que  nós temos, seja do Fundo Monetário Internacional ou seja do Banco Mundial nos nossos países, não é recomendável que continue a acontecer no século XXI.

O que nós precisamos... e vou dizer, de público, uma coisa que eu não disse ainda no meu país, não disse à minha bancada e não disse ao meu Congresso: se for necessário fazer um sacrifício a mais, o Brasil está disposto a colocar dinheiro também para  ajudar os outros países. Estamos dispostos a participar do financiamento se nós nos colocarmos de acordo numa proposta final, aqui neste encontro.

Agora, o que nós não estamos de acordo é que as figuras mais importantes do planeta Terra assinem qualquer documento, para dizer que nós assinamos documento. Eu adoraria sair daqui com o documento mais perfeito do mundo assinado. Mas se não tivemos condições de fazer até agora - eu não sei, meu querido companheiro Rasmussen, meu companheiro Ban Ki-moon - se a gente não conseguiu fazer até agora esse documento, eu não sei se algum anjo ou algum sábio descerá neste plenário e irá colocar na nossa cabeça a inteligência que nos faltou até a hora de agora. Não sei.

Eu acredito, como eu acredito em Deus, eu acredito em milagre, ele pode acontecer, e quero fazer parte dele. Mas, para que esse milagre aconteça, nós precisamos levar em conta que teve dois grupos trabalhando os documentos aqui, que nós não podemos  esquecer. Portanto, o documento é muito importante, dos grupos aqui.

Segundo, que a gente possa fazer um documento político para servir de base de guarda-chuva, também é possível fazer, se a gente entender três coisas: primeiro, Kyoto, Convenção-Quadro, MRV, não podem adentrar a soberania dos países - cada país tem que  ter a competência de se autofiscalizar - e, ao mesmo tempo, que o dinheiro seja colocado para os países efetivamente mais pobres.

O Brasil não veio barganhar. As nossas metas não precisam de dinheiro externo. Nós iremos fazer com os nossos recursos, mas estamos dispostos a dar um passo a mais se a gente conseguir resolver o problema que vai atender, primeiro, a manutenção do  desenvolvimento dos países em desenvolvimento. Nós passamos um século sem crescer, enquanto outros cresciam muito. Agora que nós começamos a crescer, não é justo que voltemos a fazer sacrifício.

No Brasil ainda tem muitos pobres. No Brasil tem muitos pobres, na África tem muitos pobres, na Índia e na China tem muitos pobres. E nós também compreendemos o papel dos países mais ricos. Eles, também, não podem ser aqueles que vão nos salvar. O que  nós queremos é apenas, conjuntamente, ricos e pobres, estabelecer um ponto comum que nos permita sair daqui, orgulhosamente, dizendo aos quatro cantos do mundo que nós estamos preocupados em preservar o futuro do planeta Terra sem o sacrifício da sua principal espécie, que são homens, mulheres e crianças que vivem neste mundo.

Muito obrigado