Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

01 janeiro 2010

dois poeminhas secos e um caudaloso (pra começar um ano)

Dezembro de 2009
DOIS DEDINHOS DE ESPECULAÇÃO ONTOLÓGICA

( NA RESSACA DE COPENHAGUE )

 

eu

eus

eus no caos

nós no caos

nós

.

 

eu

= nó no caos

nós  no caos

= rede

. 

 

nós na rede

.

 

sustentados?

presos?

pescando?

pescados?

 

(
tende piedade de nós
pescadores

agora
e na hora da nossa

recaotização !
)

 

 


As festas da virada do ano mundo afora, todas à base de luz, me fizeram lembrar deste trecho do meu projeto poético mais ambicioso, um poema cênico escrito aos 25, ainda nunca publicado nem montado:

 

De 1982

INTERMÉDIO: EVOCAÇÕES
(O Auto da Paixão da Cidade - quadro V)

quando o homem veio das estrelas

o mundo não lhe tinha cor ou cheiro

além dos que de graça dava

             quando bem queria,

sua grande mãe.

 

escondidos estavam os perfumes

e as cores, e os vôos da embriaguez,

no colo da substância,

na carne das pedras, das plantas,

só aqui e ali eclodindo

na graça e presente do cristal,

             da plumagem,
da flor.

no sangue dos caules, das folhas,

e nos miolos silenciosos das raízes

cochilavam, ocultos, calores,

                               cores,

e os vôos da embriaguez.

dormiam. e ao que ia ser homem

não davam notícia ou favor.

                                                              até

que ele sonhasse forças para explorar-te,

juntasse forças pra penetrar-te,

que encontrasse a esposa

                         pela qual havia de trocar-te,

ó velha mãe!

 

 

       cidade! cidade!

       para ele preparada

       por cem turnos de anjos

       dirigidos por seus arcanjos

       sob os olhos dos arqueus    

       cidade!...

       que serpente passou pelo teu caminho e 
                            ‑ tão cedo ‑
                                                       te seduziu?

 

em ti segredos foram abertos

mistérios desvendados

um a um;

em ti conseguimos favores
das pedras,

do ferro e dos seus companheiros,

e o calor escondido nos troncos,

        no solo

        e até mesmo nos rios,

conseguimos por proteção

contra a ameaça anual

(pra apontar nossa vaidade)

que o sol faz

de se retirar.

 

fizemos vibrar toda matéria

enchendo-te de som e ritmo

e pra melhor neles dançarmos

desescondemos de entre os mistérios

uns trinta tipos de embriaguez ‑

                             e das substâncias

                             mais sutis

inventamos artes

até para o nariz.

 

ervas, resinas, incensos,

vinhos,

cafés,

e ametistas,

e linhos,

topázios e púrpuras,

e os chás, e as pimentas, e os óleos, e
         (ah!...)

a doçura do açúcar.

 

e grãos,
grãos inteiros, cozidos,

moídos, assados, grãos

fermentados, bebidos...

e vinhos! e vinhos, licores, e pedras,

e pratas, pepitas cintilantes,

e os cafés, e os chás, e os fumos todos, e tudo

que faça brilhar nossos olhos,

       por dentro,

       por fora,

brilhantes e luzes,

e vinhos,

e pós,                                                  e tudo

tudo que nos envolva em brilho,             tudo

                                              que nos dissolva em luz!

 

       queremos esquecer o frio e o escuro deste mundo!

       queremos afogar a nostalgia das estrelas!

       pra ser deuses e não bichos fomos feitos,

 

                                                    temos fome de luz!

 

 

cidade, ah cidade, luminosa esposa

tão longamente esperada ‑

que serpente te passou pelo caminho

                                                         e te prostituiu?

 


Dezembro de 2009

CIFRAS BREVES DE UM DISCURSO LONGO

( ÀS MARGENS DO RIO DA INFORMAÇÃO )

 

ninguém sabe por onde tenho andado.
o mundo não interessa a ninguém.

 

cada nuvem de mosquitos com sua própria delícia...

se algures há flit, e daí?

 

no entanto não labuto em desespero

esperança tem mais força que razão

 

.

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