Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

14 janeiro 2009

Gaza como exemplo do Etnocentrismo x Direito Internacional

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Artigo importante de filósofo francês saído no Le Monde Diplomatique de Portugal.
Os fatos históricos têm sido inequívocos ao longo dos séculos, chega de se iludir com douramentos de pílula...
(Ralf)
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http://pt.mondediplo.com/spip.php?article433

Gaza: o direito, a «desproporção» e os «bárbaros»

(inédito)

por Alain Gresh


Ao mesmo tempo que decorrem as primeiras conversações diplomáticas, que mais parecem uma cortina de fumo que permitirá ao exército israelita prosseguir a ofensiva em Gaza, sucedem-se as notícias, sinistras e esmagadoras.

«Fora de Gaza, poucas pessoas calculam o horror da situação», declara John Ging, há três anos responsável pelas operações da Agência das Nações Unidas de Ajuda aos Refugiados Palestinianos (UNRWA) em Gaza, numa entrevista ao jornal Le Monde de 7 de Janeiro. É verdade que o governo israelita (democrático, evidentemente) proibiu que a imprensa se deslocasse ao terreno…

As Nações Unidas desmentiram a existência de combatentes na escola bombardeada pelo exército israelita a 6 de Janeiro, operação que fez mais de quarenta mortos.

Numa declaração datada de 6 de Janeiro, o alto-comissário das Nações Unidas para os refugiados, António Guterres, afirmou que Gaza é o «o único conflito do mundo em que a população não tem sequer o direito de fugir».

Richard Falk, professor de direito internacional na Universidade de Princeton e relator especial para os territórios palestinianos da ONU, foi expulso de Israel por ter denunciado os crimes contra a humanidade cometidos por Israel na Palestina antes mesmo do ataque de 27 de Dezembro.

Poderíamos ficar impressionados com algumas declarações como estas e ser levados a pensar que a intervenção israelita é desproporcionada, quaisquer que sejam os critérios adoptados. Mas felizmente em França há filósofos que nos esclarecem e nos guiam pelo caminho certo…

André Glucksmann andava silencioso desde o início da crise mas, indignado pelo que viu e leu, decidiu falar. Num artigo de opinião publicado a 6 de Janeiro pelo Le Monde com o título «Gaza, une riposte excessive?» (Gaza, uma resposta excessiva?), escreveu o seguinte: «É forçoso destacar a palavra que se destaca e cimenta um terceiro tipo de incondicionalidade, a que condena urbi et orbi a acção de Jerusalém como sendo "desproporcionada". Um consenso universal e imediato legenda as imagens de Gaza sob as bombas: Israel está a ser desproporcionada».

(...)

«Quando se aprofunda os subentendidos da crítica bem-pensante da "reacção desproporcionada", descobre-se o quanto Pascal tem razão e que "quem quer fazer de anjo, faz de besta». Todos os conflitos, adormecidos ou em ebulição, são por natureza "desproporcionados". Se os adversários se entendessem sobre o uso dos meios de que dispõem e sobre os objectivos que reivindicam, deixariam de ser adversários. Quem diz conflito diz desentendimento, e portanto esforço de cada campo para apostar nos seus pontos fortes e explorar as fraquezas do outro. O Tsahal não se abstém de o fazer, "aproveitando" a sua superioridade técnica para atingir os seus objectivos. E o Hamas também não, utilizando a população de Gaza como escudo humano sem subscrever os escrúpulos morais e os imperativos diplomáticos do seu adversário.»

Assim, portanto, segundo o nosso filósofo teríamos dois adversários que disporiam, ambos, de um certo número de trunfos e que jogariam com eles no seu melhor interesse.

Durante a guerra que Israel conduziu contra o Líbano, no Verão de 2006, já um outro filósofo bem-pensante, Bernard-Henri Lévy, tinha escrito na sua crónica de 20 de Julho no jornal Le Point – gentilmente posta na Internet pela embaixada de Israel em Paris – que, não sendo «grande especialista em questões militares», não compreendia o sentido da palavra «desproporção». E justificava o bombardeamento das estradas, das infra-estruturas e do aeroporto, que serviriam para transportar as armas do Hezbollah.

Não é preciso ser especialista em questões militares para saber que o direito internacional estabeleceu, desde há muito tempo, as regras dos conflitos armados e que esse direito se aplica a todos os protagonistas da guerra, estatais ou não, seja qual for a legitimidade da sua causa. Este é, aliás, o mesmo direito internacional que os dois filósofos não param de invocar quando falam da Tchetchénia, do Tibete ou do Kosovo. Mas, para eles, este direito pára nas fronteiras de Israel.

Recordemos alguns princípios, estabelecidos através da adopção das Convenções de Genebra relativas à protecção das populações, em 12 de Agosto de 1949, e de dois protocolos adicionais, em Junho de 1977. A Convenção de Genebra proíbe qualquer uso «desproporcionado» da força.

Além disso, o artigo 48 do primeiro protocolo adicional explicita uma regra fundamental: «A fim de assegurar o respeito pela população civil e necessidades de carácter civil, as partes em conflito devem distinguir constantemente a população civil dos combatentes, bem como os bens de carácter civil dos objectivos militares».

O artigo 54 do mesmo protocolo explicita o seguinte: «É proibido utilizar contra os civis a fome como método de guerra (…). É proibido atacar, destruir, subtrair ou impedir o uso dos bens indispensáveis à sobrevivência da população civil».

Mas os nossos dois filósofos não estão completamente enganados. Já o sabemos desde a Grécia Antiga. Os dirigentes atenienses explicaram-no desta forma aos seus homólogos da ilha de Melos, que queriam subjugar: «No mundo dos homens, os argumentos do direito só pesam na medida em que os adversários em presença disponham de meios equivalentes e, se não for esse o caso, os mais fortes tiram todo o partido possível do seu poder, enquanto os mais fracos apenas podem vergar-se».

Estas teses e as de muitos órgãos de comunicação social têm subjacente um outro argumento, o de que o direito internacional não se aplica aos «bárbaros». Num artigo no Le Monde diplomatique deste mês, intitulado «A memória recalcada do Ocidente», cito Heinrich von Treischke, um alemão especialista em ciências políticas, que em 1898 escreveu o seguinte: «O direito internacional transforma-se em meras frases quando também queremos aplicar os seus princípios aos povos bárbaros. Para punir uma tribo de pretos, é preciso queimar as aldeias deles; se não ditarmos o exemplo desta maneira não conseguiremos nada. Em casos semelhantes, se o império alemão aplicasse o direito internacional, isso não seria um caso de humanidade ou de justiça, mas de uma vergonhosa fraqueza». Universalismo dos direitos humanos, sim, mas só para os brancos…

Num livro notável, Exterminez toutes ces brutes (Le Serpent à plumes, 1998) Sven Lindqvist recordou que em 1897 a Europa inventou as balas dundum, que provocavam ferimentos particularmente graves. Dois anos mais tarde, estas balas foram proibidas pela Convenção Internacional de Haia, antepassada da Convenção de Genebra. A partir desse momento essas balas deviam estar reservadas «à caça de animais de grande porte e às guerras coloniais».

quinta-feira 8 de Janeiro de 2009

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Ralf Rickli • arte em idéias, palavras & educação
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