Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

27 janeiro 2009

Caso Battisti: assunto mais relevante pra nós do que vc está pensando

O que estão escondendo no caso Battisti, e por quê

Aposto que ESTE É UM DOS ASSUNTOS HISTORICAMENTE IMPORTANTES DO MOMENTO, e muitos de nós talvez não estejamos percebendo. Parece que a velha direita eurocêntrica está procurando pelo em ovo porque o Brasil anda muito saidinho pro gosto deles, ultimamente. Dá uma olhada aí:
 
A grande imprensa não para de noticiar os protestos do governo italiano contra a decisão do Brasil de dar asilo ao ex-militante radical Cesare Battisti. Passa-se o tempo todo a impressão de que foi uma decisão absolutamente "porra louca", sem base nenhuma.
 
Foi somente na Agência Carta Maior que encontrei o outro lado do caso: as dúvidas que pairam quanto ao julgamento à revelia de Battisti em 1987, o fato de que o governo Mitterand também já negara extradição...  Por que nossa grande imprensa não fala de nada disso?
 
E aí de repente lembro que o atual primeiro-ministro da Itália é um magnata da imprensa... Representante típico de uma certa direita que se vale da força da imprensa como instrumento de poder - com o qual vem se safando inclusive de repetidas acusações de corrupção e de ligação com a Máfia.
 
Mas deve ser só coincidência, não?  Não deve haver nenhuma relação...
 
Mando a seguir o artigo de Flávio Aguiar na Carta Maior, com alguns trechos destacados em negrito. (Ralf)
 

 
16/01/2009 | Copyleft
 

DEBATE ABERTO

O caso Battisti: uma decisão adequada

Na imprensa conservadora vale o princípio segundo o qual "in dubio" ou "in certeza", pau no governo Lula. Nessa ótica, até certo ponto, Cesare Battisti é irrelevante. O que importa é desqualificar o ministro da Justiça.

Nunca o que o sentimento conservador, visivelmente irado desde seis anos completos, publicou na sua imprensa sobre o Brasil e o mundo, e o Brasil no mundo, foi tão irrelevante como agora.

O Brasil no mundo de hoje lhe apresenta uma faceta insuportável. Nunca a recepção do Brasil em quase todos os círculos foi tão boa quanto agora. Nunca a política externa brasileira e a sua diplomacia que, diga-se de passagem, sempre foram tidas como competentes e pertinentes pelo mundo afora desde mais ou menos 1850, gozaram de tanto prestígio como agora.

O Brasil vive um "momento virtuoso" de estabilidade democrática, desenvolvimento sustentável e diminuição da pobreza que fez o país mudar de lugar na ordem mundial. Isso é inegável. Para desespero daqueles comentaristas do pensamento conservador, o mundo não lê os jornais em que eles publicam nem vê a televisão e muito menos ouve as rádios em que fermentam e destilam o anacronismo de seu pensamento.

Para esse pensamento é sempre necessário "provar" a desqualificação das atitudes do governo liderado por Lula, devido ao "esquerdismo" deficiente do comportamento petista diante do mundo. Sempre há várias bolas da vez. Recentemente foi o assessor para política internacional, Marco Aurélio Garcia, definido em artigos sempre carregados de odioso ressentimento, como aquele que força o governo Lula a alianças com a "indiada" da América Latina.

Agora é a vez do ministro Tarso Genro, graças à sua decisão de estender o direito de asilo a Cesare Battisti, ex-membro da organização "Proletários Armados pelo Comunismo", na Itália. Battisti é sistematicamente apresentado como um reles terrorista, que caiu nas boas graças do "trapalhão no Ministério da Justiça", que assim gerou um problema diplomático com a Itália.

O caso é bem mais complicado. Os "Proletários Armados..." foram formalmente acusados por quatro crimes de morte, cometido ao final dos anos setenta. Além disso, foram-lhe imputadas diversas outras acusações por crimes "menores", como expropriações, assaltos, coisas assim. Battisti foi preso em 1979, e condenado por estas acusações "menores" a 12 anos de prisão. Em 1981 ele fugiu da prisão, vivendo os anos seguintes no México, na Nicarágua e na França. Na América Central Battisti tornou-se uma figura intelectual de relevância, tendo fundado revistas literárias e organizado atividades para o mundo do livro. Além disso, deu seguidas declarações de que abandonara as atividades de luta armada depois do assassinato de Aldo Moro na Itália.

Mas em 1987 ele voltou a julgamento, "in absentia", devido a declarações de seu ex-correligionário Pietro Mutti, que, no sistema de "delação premiada", denunciou-o por aqueles quatro assassinatos, sendo então condenado à prisão perpétua. Na França, enfrentou um pedido de extradição, feito pelo governo italiano, que foi rejeitado, com base na "doutrina Mitterand", segundo a qual nenhum acusado que rejeitasse a violência seria extraditado se se considerasse que no seu julgamento não houvesse adequadas condições de defesa. Portanto, diga-se de passagem, a decisão do Ministro Tarso Genro tem precedentes, não só na doutrina Mitterand, mas em decisões judiciais nela baseadas.

Ocorre que depois a Itália, a França e a Europa inteira "endireitaram-se". As cortes italianas negaram novo julgamento a Battisti, cujos advogados, inclusive os franceses, sempre alegaram que o segundo, pelo menos, o de 1987, fora viciado, com manipulação da 'delação premiada', além de outras irregularidades, como falhas na produção de provas técnicas. Quanto a Battisti, ele sempre negou ter participado daqueles quatro assassinatos, e sempre concordou a se submeter a novo julgamento.

Com o endurecimento da situação na França e também na Itália, durante o primeiro mandato de Berlusconi, apoiado pela Liga do Norte, sobre que pesam acusações de intolerância beirando o neo-fascismo, e o segundo mandato agora em curso, Battisti buscou o Brasil, onde foi preso em 2007.

O que se pode dizer depois de todo esse percurso é que pairam consistentes dúvidas sobre a lisura de tudo. E que num caso desses, o que se pode pregar, do ponto de vista da justiça, é o princípio do "in dubio pro reo". Mas na imprensa conservadora vale o princípio segundo o qual "in dubio" ou "in certeza", pau no governo Lula. Nessa ótica, até certo ponto, Battisti é irrelevante. O que importa é desqualificar o ministro.

Corrijam-me se eu estiver errado: não me lembro de ter lido nessa imprensa manifestações iradas e veementes quando o Brasil concedeu asilo a Stroessner, sabidamente alguém que devia ser considerado um criminoso de guerra. Tudo bem. Pode ser que a decisão brasileira de então, em nome de um princípio político de abrir caminho para o futuro no continente, e em nome de não permitir um julgamento em clima emocional, fosse pertinente.

Por que não seria também agora no caso de Battisti?


Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior.

texto selecionado e compartilhado por
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Ralf Rickli • arte em idéias, palavras & educação
http://ralf.r.tropis.org • (11) 8552-4506

2 comentários:

  1. Qual seria a atitude de Lula se o governo italiano em represália, decidisse cancelar a dupla nacionalidade de sua esposa e filhos? Acedito que acabaria o seu idealismo no exato momento.

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  2. Desculpe, meu caro anônimo, mas realmente não vejo relação nenhuma. Uma que ninguém aqui está falando de idealismo, e sim de direito, até no sentido mais formal.

    Segundo, acredite ou não, já há muito tempo essa mistura mesquinha de assuntos pessoais dos governantes com assuntos de Estado está muito mais na cabeça das pessoas do que na realidade de Estados da dimensão do Brasil - e isso até mesmo na época de governos de que sou inimigo ideológico, como a ditadura militar. Em poucas palavras: torto ou direito, o Brasil é via de regra muito MAIOR do que os próprios brasileiros pensam.

    E em último lugar, último dos últimos, nunca vi o famoso passaporte italiano fazer uma diferença assim tão significativa na vida de quem o conquistou... Tenho inclusive amigo que passou uns anos lá e voltou absolutamete exasperado com o que chamou o provincianismo sufocante da vida italiana - rsrsrsrs

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