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Publicado originalmente em 11/10/2013 na coluna
Espaço LGBT do jornal ES Hoje
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Já falamos de amores entre
iguais nas remotas literaturas suméria e hebraica. E na brasileira, tem? Há um
paradoxo, aqui: dizem que temos “o 1º romance homossexual da literatura
ocidental”: Bom Crioulo, de Adolfo Caminha, que já em 1895 tratou
dos amores entre um marinheiro negro e um grumete loiro. Mas, esgotada a edição
inicial, o livro foi proibido, e só reeditado em 1985. Só a partir de 1970
autores como João Silvério Trevisan e Caio Fernando Abreu passaram a tratar do
tema com naturalidade, não mais com meias palavras ou como aberração, como vemos
p.ex. em Raul Pompeia e Lúcio Cardoso.
Do que se escreveu no entremeio,
tenho apreço especial por Mário de Andrade, sujeito de espantosa
universalidade: formado pianista, inaugurou no país a poesia moderna, a prosa
experimental, as políticas públicas de cultura, e a pesquisa respeitosa das
religiões afrobrasileiras; não bastasse, foi quem revelou ao mundo a arte do
Aleijadinho, então abandonada, e contratou Lévi-Strauss para as pesquisas entre
os índios do Mato Grosso que revolucionaram a antropologia.
No campo LGBT, Mário costuma ser
mencionado por Frederico Paciência, do livro Contos Novos (1943),
mas na verdade há referências sutis espalhadas por toda sua poesia, crônicas,
cartas e - o que eu mais gosto - nos Contos de Belazarte, escritos em
1923-25. Dos 7, 3 descrevem mulheres que se envolvem com cafajestes, e terminam
com a frase “Fulana era muito infeliz”. Um descreve os sofrimentos do filho
pequeno de uma dessas, e outro a paixão de uma adolescente por um professor. No
5º conto, o narrador conhece no bonde um jovem negro cujos olhos “adoçavam tudo
que nem verso de Rilke”, e o contrata como doméstico. Não conseguindo romper as
barreiras, ajuda-o a casar, batiza o filho… mas admite explicitamente que
almejava um amor também corporal.
E aí aparece Nízia Figueira, última
remanescente de uma família tradicional. O pai morre e deixa Nízia, aos 16, com
um sítio nas imediações de São Paulo e uma criada negra uns dez anos mais
velha: a prima Rufina. Vigorosa, esta empreende o plantio de frutas e
hortas e vai vender na cidade, junto com os trabalhos de Nízia em tricô. Juntam
seu dinheiro, aparecem pretendentes, Nízia nem sabe namorar, o tempo passa,
pretendentes desistem, dores vêm e vão… e vão ficando só as duas e a cachaça:
“Prima Rufina, se encostando em quanta parede achava, puxava Nízia. Nízia se
erguia, agarrava o garrafão em meio, e as duas, se encostando uma na outra, iam
pro quarto”. Sexo? O conto não dá nome. Mas fala de uma intimidade em que uma
“acabava se aconchegando entre as pernas da outra, fazendo daquela barriga
estufada um travesseiro cômodo”. Uma adormecia, a outra “ficava piscando
devagar, mansamente. Que calma!”… E o livro ousa concluir: “Nízia era muito
feliz”.
Noto agora que estes três textos
atacam não só a barreira do sexo igual, mas também a racial, e dois deles a de
classe social. Talvez por isso eu goste tanto deles: não são LGBT em abstrato:
tratam de um lugar chamado BRASIL.
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