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Publicado originalmente em 08/11/2013 na coluna
Espaço LGBT do jornal ES Hoje. Ligeiramente adaptado em relação ao texto do jornal.
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Zumbi dos Palmares, maior líder
da resistência negra nos tempos coloniais, foi morto num 20 de novembro, mês que
por isso se tornou referência na luta contra a discriminação racial no Brasil. Como isso se
cruza com a luta contra outra discriminação, a por orientação sexual?
Há alguns anos muitos receberam
como um insulto a sugestão do antropólogo paulista Luis Mott, casado com o
historiador negro baiano Marcelo Cerqueira, de que Zumbi fosse gay. Os
argumentos de Mott são de fato bem fracos, mas qual seria o problema, se tiver
sido mesmo? Baste lembrar que os maiores guerreiros da Grécia antiga, Aquiles e
Alexandre, amavam homens!
Infelizmente, a justíssima
autoafirmação de valor dos negros da diáspora muitas vezes se equivoca,
encarando a homossexualidade como manifestação de fraqueza branca, na qual
seria indigno um negro incorrer. Espalhou-se inclusive o mito de que não havia
homossexualidade na África, nem entre os índios - o que o jesuíta Pero Correia desmentia
já em 1551: “O pecado contra a natureza, que dizem ser lá em África muito
comum, o mesmo é nesta terra do Brasil, de maneira que há cá muitas mulheres
que, assim nas armas como em todas as outras coisas, seguem ofício de homens e
têm outras mulheres com que são casadas”.
Em 1998, Murray e Roscoe
publicaram Boy-Wives and Female Husbands,
350 páginas de textos sobre homossexualidade masculina e feminina na África,
começando em 1732 e passando por todo o século 20. Entre as centenas de
exemplos, me chama atenção o dos trabalhadores de etnia tsongo, em minas na
África do Sul e Moçambique: desde o século 19, é usual que um mais velho
convide um mais jovem a ser “sua esposa”, tanto no sentido de cuidar da casa
quanto no da satisfação sexual; esta, no entanto, é buscada entre as coxas do
parceiro, não se vendo nenhuma necessidade de penetração anal (o que tantos
desinformados pensam ser a essência obrigatória da homossexualidade masculina).
Não se trata, porém, de uma
situação só tolerada devido à falta de mulheres no ambiente das minas: na mesma
região, Moshesh, um chefe bosotho do século 19, deixou claro que em sua tradição
não havia punição nem restrição ao sexo entre iguais. E me parece especialmente
notável a formulação do povo fânti, de Ghana: os homens e mulheres “que têm
alma pesada”, desejam mulheres; já os homens e mulheres “que têm alma leve”
preferem homens. Que esplêndida e sábia simplicidade!
De
onde vem, então, que a África venha sendo apontada como o pior reduto da
homofobia violenta no mundo, quase como mais uma prova de seu suposto
primitivismo? Embora ainda escondam, está fartamente provado: tanto a humanidade
quanto a civilização começaram na África, e lá não havia miséria antes da
intervenção branca. Nem homofobia. Um movimento negro inteligente não pode,
portanto, engolir a balela de que homossexualidade seja uma fraqueza importada
a rejeitar: cabe-lhe rejeitar a homofobia ao mesmo tempo e com o mesmo vigor
com que rejeita a discriminação pela cor - pela sabedoria e pela honra dos seus
ancestrais.
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