Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

21 maio 2010

Uns poucos estão entrevendo o tamanho da questão 'iraniana' - mas será que ninguém sabe que o nome do bicho é PNAC?

Copyleft: reprodução livre desde que com crédito ao autor e link
de uma fonte original (este blog o é). As imagens podem ser dispensadas.

 
Poucos têm demonstrado perceber a dramaticidade e dimensão histórica desta semana que se abriu com a assinatura do acordo Irã-Brasil-Turquia. Analistas estrangeiros têm ido bem mais longe nesse sentido que os brasileiros, talvez receosos de parecerem ufanistas. O que me espanta é que ninguém, nem aqui nem fora, tenha ainda mencionado o PNAC neste contexto.

PNAC é sigla de Project for the New American Century, 'Projeto para o Novo Século Americano', conceito desenvolvido nos anos 80 e 90 pelo "think tank" político e acadêmico que colocou Bush no poder.

A realidade mostra claramente que Obama e Hillary aderiram (ou 'foram aderidos') ao PNAC ou à sua ideologia. Quando, não vem ai caso especular agora.

Digo 'ideologia' porque atualmente PNAC é nome de ONG oficializada e com site público, e naturalmente não atribuo
a totalidade do que falo abaixo
diretamente à ONG que mostra a cara, e nem mesmo a seus membros e diretoria, o que qualquer advogado poderia facilmente apontar como calúnia. Mas atribuo sim a pessoas que nadam no mesmo campo de idéias que se expressa nas falas e na atuação dessa ONG.
 
Comecei a falar do PNAC na semana antes da ida de Lula a Teerã, pois sabia que isso seria botar o dedo precisamente nesse vespeiro - e aposto que não inadvertidamente e sim com consciência e intenção. Pelo menos de imediato, o ato não resolveu nada - e quem o arquitetou como aconteceu não podia ter ilusões de que resolvesse - mas derrubou o que sobrava da camada de reboco com que se tentatava disfarçar o tamanho da crise institucional (diferente da crise econômica) que o mundo vive.
 
Nos 65 anos desde o fim da 2.ª Guerra só dois momentos tiveram dramaticidade comparável (e não garantidamente maior) à desta semana na política internacional: a "crise dos mísseis em Cuba" em 1962, e os dias da "queda da cortina de ferro" em 1989. Então é espantoso como a quase totalidade dos brasileiros, inclusive dos 'estudados', não parece estar tendo nenhuma percepção do alcance da coisa!

Voltando ao PNAC, um dos produtos mais conhecidos do referido "tanque pensante" foi a teoria política pseudo-antropológica de que o choque de diferentes tradições culturais e religiosas (e não de classes socioeconômicas, ou qualquer outra coisa) é o motor da história.
 
A teoria foi lançada num artigo de 1993 por Samuel Huntington (foto abaixo), professor de Harvard e Coordenador do Planejamento de Segurança da Casa Branca em 1977-78 (governo democrata do Carter, engraçado, não?), ganhando mais peso em 1996 com o livro The Clash of Civilizations (publicado em português em 1999 como 'O Choque das Civilizações e a Mudanca na Ordem Mundial'. Lisboa: Gradiva Publicações, 420 páginas, esgotado. ISBN 972-662-652-8, se alguém quiser ir atrás).


A abertura do site do PNAC o define assim: "uma organização educacional sem fins de lucro dedicada a umas poucas proposições fundamentais: que a liderança americana é boa tanto para a América [sic] quanto para o mundo; e que essa liderança requer força militar, diplomacia enérgica e compromisso com princípio moral [sic: no singular]." Podem conferir em http://www.newamericancentury.org/  - e sugiro atenção às ressonâncias da cor dominante na página.
 
Terminei tendo uma leve noção do tamanho do que está por trás quando traduzi um conferencista estadunidense por quatro dias em 2005. Ele não falou nada disso em eventos mais públicos, só numa palestra para um círculo menor onde também tenho algum trânsito por conta da minha história de vida nos anos 80. Aí contou como se doutorou em Política Internacional no famoso MIT (Massachussets Institute of Technology), onde foi aluno direto de ninguém menos que Henry Kissinger (o famigerado 'Hillary Clinton' de Richard Nixon), e como até começou a lecionar ali, até que conheceu o holandês Bernard Lievegoed, um dos inventores da 'consultoria de desenvolvimento organizacional', e largou tudo o que fazia para estudar e trabalhar com ele.
 
Mesmo se afastando, ele já tinha conhecido esse mundo por dentro, e suas descrições do modo de pensar dessa gente foram apavorantes. Explicam com precisão a forma calculada e quase invisível com que se deu a invasão do Iraque, e também o fazem compartilhar plenamente da visão de que o 11 de Setembro foi executado por estadunidenses como o 'novo Pearl Harbour' previsto na teoria do grupo como a chave decisiva para conseguir a concentração de poder necessária aos seus objetivos.

Parêntesis indispensável: essa visão é exposta nos filmes Farenheit 11.9 de Michael Moore e no mais recente e 'alternativo' Zeitgeist. O tom messiânico deste último faz muitos o rejeitarem a priori como baboseira, desconsiderando sumariamente a abundância de citações referenciadas de pareceres e estudos de alto nível que nunca foram contestados - e novos estudos nesse sentido não cessam de brotar, como pode se ver em
http://bit.ly/ddxL2T. Mas no mundo intelectualizado, tanto à direita quanto à esquerda, instaurou-se o dogma de que tudo o que possa ser ligado à palavra 'conspiração' é por definição falso, irrelevante ou ingênuo - postura que bem pode ser chamada de credulidade ou ingenuidade pelo negativo. Já dizia o agnóstico André Gide que a maior das artimanhas do diabo é nos fazer descrer da sua existência...
 
Voltando ao ponto para concluir: o PNAC é um plano estratégico com o objetivo declarado de garantir a hegemonia mundial dos EUA por pelo menos mais 100 anos - e contém explicitamente a avaliação de que quem controla o 'Oriente Médio' controla o mundo.
 
De nenhum modo se trata só de domínio do capital - o qual em si não tem porque dar a mínima para dados como raça ou religião - como, curiosamente, justamente os muçulmanos não dão a mínima para isso na hora dos negócios. Mas os estadunidenses (e em boa parte ainda os europeus ocidentais) acreditam em superioridade racial e cultural - tanto que foram eles quem formulou uma teoria da História nesses termos, e não qualquer outro dos atores em jogo.
 
Petróleo nem de longe é o mais importante: claro que eles não vão abrir mão de tirar proveito também disso enquanto puderem, mas qualquer pessoa informada sabe que ele já pode ser substituído por outras tecnologias no momento em que se quiser.
 
Trata-se mesmo é de ter um centro de poder bem no meio das maiores massas continentais e populacionais do planeta: Ásia e Europa na dimensão leste-oeste, ao norte a Rússia, e ao sul o Índico tocando por um lado a África com seus 900 milhões de habitantes (e sabe-se lá quantos milhões em minérios), por outro a Indonésia, quarto país mais populoso do mundo (depois de... China, Índia e EUA), e também passagem para a Austrália e o Pacífico.
 
Os EUA já têm de um lado Arábia (aliados silenciosos que violam diariamente os direitos humanos muito mais que o Irã, sem que os EUA digam nada), Israel e Iraque; do outro Paquistão e Afeganistão. Só falta unir as duas áreas com a peça de longe mais suculenta do conjunto, verdadeira 'jóia da coroa', que se chama adivinhem como?
 


Copyleft: reprodução livre desde que com crédito ao autor (Ralf Rickli) e link de uma fonte original
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As imagens podem ser dispensadas.

6 comentários:

  1. Gostei. Faz muito sentido seu texto. Estou muito atento aos movimentos dos EUA, mas ainda não havia ouvido falar do PNAC com maior profundidade.
    Mas tenho a impressão que os EUA não chutam mais nenhum cachorro morto, como fez com o Iraque. Não têm grana para isso nem terá, acho eu, a aprovação de países como França e Alemanha.
    O que você acha?

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  2. Ralf,

    muito interessantes teus textos sobre o assunto, remeti à tua tradução do Guardian num texto meu sobre o acordo com o Irã.

    Também acho um pouco de exagero em algumas dessas teorias conspiratórias, mas é fato a geo-política mundial faz a corrupção política brasileira virar brinquedo de criança.

    Comecei a comentar aqui porque queria pontuar um detalhe. Você apontou a crise dos mísseis em 62, e a queda do muro em 89. Mas eu apontaria outros dois momentos chave:

    (1) o fim do lastro em ouro como garantia do dólar, que desequilibrou toda a economia mundial em 77 (arquitetado pela turma do Kissinger, se não me engano), com paralela aproximação entre EUA e China - os gêmeos siameses que direcionam a geo-política atual.

    (2) a iminência da Guerra da Coréia em 52-54, com desdobramentos na corrida nuclear e espacial, que determinaram boa parte da configuração geo-política conhecida como "guerra fria".

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  3. Como seu comentário não tem link de retorno vou ter que responder aqui mesmo, não sei se vc vai ler:

    Por um lado te dou razão. Eles estão barbaramente enfraquecidos, gastos. Por outro lado, não é de substimar os estragos que gente semi-forte é capaz de fazer, ainda mais esperneando por causa da própria decadência...

    Não é bom esquecer que na década de 1920 a Alemanha estava prostrada, e 20 anos depois estava fazendo aquele estrago todo.

    E tem também a violência de pequena escala, mas não por isso menos terrível: já viu o filme O Suspeito, denúncia sobre as prisões arbitrárias e interrogatórios com tortura realizados pelos estadunidenses em qualquer lugar do mundo, justamente com o pretexto do combate a um terrorismo que eles mesmos forjaram? É a psicopatia no poder!

    Mas ao mesmo tempo acho, sim, que há processos ótimos encaminhados no mundo hoje. Não devemos perder de vista jamais nem o lado feio, nem o bonito. Viver com consciência é isso...

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  4. O principal motivo de eu mudar para wordpress foi esse problema do blogger: só avisa novos comentários se eu tivesse comentado como conta do blogger.

    Eu prefiro comentar com link para meu próprio blog.

    No wordpress a gente cadastra um e-mail no comentário, e opta por receber avisos em caso de resposta ou novo comentário. Não é legal?

    Bem, estou aqui curioso para tuas reflexões. Há muito espaço para o novo se abrindo, mas os comentaristas na imprensa brasileira estão viciados em velhas análises superadas.

    Parabéns pelo teu trabalho...

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  5. Seu texto é muito bom. Eu me lembro até hoje de um professor de História do antigo 2º gau, no início da década de 90. Ele já dizia naquela época que a questão do Oriente Médio não era o Petróleo, já que este recurso tenderia a se esgotar no mundo. O principal era a questão estratégica. Aquela região interliga Ásia, Europa e África; dominá-la seria o mesmo que dominar o mundo, já que os EUA já consideram a América e, acredito também, a Oceania (pois não me lembro de ter visto Austrália e seus vizinhos tomarem partido em coisa alguma) como seus territórios. Não sou entendida, por assim dizer, em Geo-política mundial, mas gosto do assunto. Tinha lido um texto sobre o PNAC, mas normalmente ninguém comenta muito sobre o tema. Chega até a ser doloroso pensar que algo assim esteja em andamento (ainda mais sendo um projeto que foi arquitetado e vem sendo executado há décadas).

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  6. Obrigado por sua contribuição, Liliane! É muito importante que outras pessoas "secundem" relatos como este, pra que não fiquem pensando que é tudo invenção de uma cabeça fantasiosa.

    E como disse no debate em outro blog, não creio que eles CONSIGAM a dominação mundial que almejam. Meu medo são os estragos que fazem enquanto insistem em tentar!

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