Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

22 agosto 2010

Carta aos colegas educadores, de um pedagogo que o é porque fugiu da escola

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Caros colegas: haverá professores felizes com o que vivem na escola hoje? Deve haver mas... sejamos sinceros: creio que ninguém de nós pensa que sejam muitos! E se considerarmos que a maioria dos alunos também preferia estar em outro lugar, será que não é hora de nos perguntarmos: ainda existe sentido no que estamos fazendo?
  
Alguns podem argumentar que alguém tem que fazer o sacrifício para não deixar os jovens sem educação, mas... será que os efeitos educacionais que temos conseguido correspondem de fato ao tamanho dos custos - não só em verbas mas principalmente em alegria de vida, deles e nossa? Ou alguém dirá que essa dimensão não tem importância?
 
Permitam relatar algumas coisas da minha trajetória de aprendizado - que, antes de mais nada, não espero ver encerrada enquanto eu tiver alguma consciência - pois me parece ter prefigurado um tanto, desde há meio século, o que cada vez mais crianças e jovens vivem hoje.

Eu tinha uns cinco anos quando meus pais se surpreenderam ao me ver alfabetizado. Eles apenas haviam deixado um pequeno quadro-negro e giz à disposição, havia impressos abundantes pelo ambiente, e haviam respondido minhas perguntas.
 
Me disseram que logo eu iria pra escola, e que lá sim eu ia aprender bastante - mas não foi verdade: em meio a imobilidade e incomunicabilidade forçadas, alguém com evidente cara de má-vontade tentava impor aos gritos alguma atenção a atividades que não interessavam nem ensinavam. Socialização? As relações entre os alunos eram praticamente um bullying generalizado e constante, ignorado pelos professores como ‘coisa de criança’ até que surgisse algum ferimento físico.

Continuei aprendendo mais em casa, onde dois pais ex-professores respondiam perguntas, chamavam atenção para fatos interessantes e deixavam livros e discos à disposição.

Capital cultural, privilégio de poucos - diria Pierre Bourdieu.
 
Perfeito. Só que nos últimos anos a sociedade toda se vê cada dia mais imersa numa espécie de ‘caldo de informação’ propiciado pelas tecnologias de comunicação - primeiro em massa mas agora, muito melhor, em rede de mão dupla. Para mais e mais crianças e jovens, permanecer ignorante começa a ser mais custoso que aprender algo. Ao se comunicarem no MSN, por exemplo, adolescentes das periferias estão atingindo uma velocidade de expressão escrita que jamais teríamos sonhado solicitar deles!

E a escola, estará sabendo se relacionar com isso? Vejo colegas se manifestarem sarcasticamente sobre o quanto es-ses adolescentes ‘escrevem errado’ - quando se deixados só aos nossos cuidados sequer estariam escrevendo!

Comecei a lecionar um ano depois de entrar numa primeira faculdade - e logo percebi que, tanto quanto aos conteúdos quanto às formas do trabalho docente, eu continuava encontrando mais ajuda fora do que dentro da instituição. E nesse momento um jovem europeu de postura entre hippie tardio e punk precoce, porém muito lido, me desafiou: ‘Professores são seres insuportáveis, e o são porque não têm idéia de como é a vida fora da escola: cresceram nela, nela se formaram, nela passaram a trabalhar de imediato. Como vão ser úteis a um mundo que nem conhecem?’

Ainda estávamos no embalo de 1968 e parecia garantido que as instituições vigentes pudessem ser substituídas relativamente rápido por alternativas de um ou de outro tipo - e no nosso mundo novo valeria o saber demonstrado na prática, não os títulos de papel. Foi com essa confiança que abandonei a busca do diploma e saí catando conhecimentos que julgava relevantes para a construção desse novo mundo, onde quer que os encontrasse.

Assim, entre trabalhos e aprendizados os mais diversos, aos 40 eu havia cursado seis anos em nível superior em três países - porém sem grau, pois haviam sido semestres avulsos e ‘cursos livres’. Tinha investido ainda milhares de horas em cursos de extensão e em leituras em cinco idiomas, escrito centenas de páginas, dado palestras e cursos em nove estados... 
 
... quando de repente ficou claro que, em lugar de desabar, as velhas instituições haviam se tornado mais fortes que nunca, e imposto uma ‘nova ordem’ sua: uma na qual eu - que já havia palestrado, assumidamente sem título, em faculdades do prestígio de uma ESALQ e um IP-USP - estava restituído ao meu valor dos 17 anos: ‘Ensino Médio’.

Foi aí que decidi que, se tinha que me graduar e especializar, seria justamente em Estudos da Educação – entre outras coisas porque vinha ensinando a jovens em espaço não-formal, e a honestidade vinha me forçando a dizer-lhes: ‘NÃO tomem minha história como modelo: por mais que lhes doa, cumpram a carreira escolar até o fim - mesmo se em pleno século 21 a maior parte das escolas sequer realizou as conquistas pedagógicas de 1920, e é fato que lá vocês perdem tempo e ainda vão ter que conquistar por fora talvez o mais importante dos seus aprendizados.’

Mas... não é melancólico ter que dizer isso a jovens - para não dizer trágico? Quanto desperdício de vida humana - sem nem falar no de recursos públicos! Por que nós - professores, orientadores, administradores - não encaramos o DESAFIO MORAL de fazer da escola um espaço de educação realmente significativo - entendida a realidade do século 21?

É óbvio que isso não pode ser meramente mais um remendo no modelo escolar histórico! Precisamos entender de vez que estamos atravessando a revolução cultural mais radical da história da humanidade e, de modo condizente, ousarmos repensar tudo.

Pois nosso esgotamento vem justamente de passarmos os dias tentando empurrar um ancião moribundo - se não já um cadáver - na velocidade dos jovens!

É nesse sentido que tenho convidado colegas educadores de todos os tipos a sentar, trocar experiências e perplexidades e sonhar juntos - na qualidade de um educador que, quando jovem, se viu compelido a fugir da escola de tanta vontade de aprender - inclusive de aprender a conseguir compartilhar eficazmente o que aprendia.
São Paulo, agosto de 2010
Ralf Rickli

19 agosto 2010

Novas palestras, cursos, grupos de conversação pelo prisma da Pedagogia do Convívio: formação de Pais ; de Jovens ; de educadores formais & não-formais - e mais


 
PALESTRAS, CURSOS e GRUPOS DE CONVERSAÇÃO
NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO CONVIVIAL
focos temáticos 2010-2011
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Todos os temas são oferecidos em duas formas
• palestra ou apresentação única, ou introdutória - sempre incluindo diálogo (tempo mínimo 2 horas)
• cursos ou grupos de conversação com duração e características projetadas para as peculiaridades de cada caso 
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Destinam-se a:  educadores na ativa ou em formação • planejadores, políticos, administradores • pais & mães e outras pessoas que convivem com crianças • adolescentes e jovens • outros interessados 
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Onde? por solicitação de grupos ou instituições que se responsabilizem pelo espaço e demais aspectos operacionais 
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• em português, espanhol ou inglês

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Uma chave: O BOM, o BELO e o VERDADEIRO
Como apontado por uma de nossas fontes de inspiração - a Pedagogia Waldorf - estes 3 valores fundamentais na existência humana só podem ser apreendidos e desenvolvidos a partir de amostras convincentes da sua existência recebidas nas seguintes idades: 
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Zero a sete anos: o mundo pode ser bom 
Sete anos à puberdade: o mundo pode ser belo 
Puberdade a início da idade adulta: o mundo pode ser verdadeiro
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Campo 1 - A CHAVE INVISÍVEL: o trato com as crianças pequenas e suas consequências no mundo
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Não aprendemos a fazer o que nos dizem: aprendemos a fazer o que nos fazem.
Prof.Dr. Marcos Ferreira Santos
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A hora da Bondade em Educação
alvo principal: profissionais em Educação Infantil 
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A chave invisível dos problemas do mundo: conexões sociais, políticas e ecológicas da educação infantil e parental
alvo principal: administradores e planejadores, educadores sociais, políticos, ativistas - sem excluir demais interessados 
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• Para quem não quer filhos-problema
Conversações com familiares, sobretudo pais e/ou mães 
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Campo 2 - A HORA DA VERDADE: adolescentes e jovens e educação
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Você espera alguma coisa da sua vida? Falando de chaves e de pistas falsas com sinceridade - ATIVIDADES DIRETAS COM JOVENS
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Fundamentos realistas para a comunicação pedagógica com adolescentes & jovens - com referências à experiência Trópis em Educação Convivial - grupos de conversação com educadores formais e/ou extra-escolares e outros profissionais correlatos 
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Campo 3 - A HORA DA FÊNIX: reencontrando sentidos & relevância no conceito ‘Arte de Ensinar’ 
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Em busca da integridade perdida
Por que sem a integração das vias analítica e estética da cognição não acontece aprendizado - nem ética 
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Professor: uma profissão esgotada?
Conversações sobre a epidemia mundial de burn-out, seu caráter histórico, e possíveis rumos de superação
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Mestres humanos ou crias de Frankenstein?
Identificando as condições indispensáveis para uma formação eficaz de profissionais de educação
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A Palavra, a Galinha e a Idéia - ou: ‘onde a educação enrosca entre a letra e a realidade’ - Por que saber nomes não é saber & ensinar nomes não é ensinar - e outras questões correlatas 
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Pedagogia Waldorf, saber acadêmico & Educação Pública:
perspectivas para a viabilização de um diálogo frutificante 
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O caminho único e múltiplo para paz real
O fenômeno do Convívio, das dimensões psicológica e cosmológica à social e à ecológica - e a Pedagogia que propomos (não única!) onde ele é método e meta
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Campo 4 - VIAGENS NA HISTÓRIA:
aventura estético-intelectual & aprendizado eficaz
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ÁFRICA - continente selvagem ou Mãe da Civilização?
Apresentações audiovisuais e conversas com para professores, alunos, interessados em geral
Com base no livro e peça O dia em que Túlio descobriu a África, inspirado na obra do historiador e cientista senegalês Cheikh Anta Diop -
No sentido das leis 10.639/2003 e 11.645/2008
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Mil anos de Música: paisagens e picos
Uma familiarização com estilos, compositores e peças marcantes de 1000 a 2000 d.C., com mais música que palavras 
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MAIS SOBRE OS CAMPOS LOGO ADIANTE
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Currículo resumido
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Ralf Rickli, pedagogo e escritor, ministrou até 2009 palestras e cursos em 48 cidades de 9 estados brasileiros, Venezuela, Inglaterra e Alemanha.
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Sua atuação, embora sempre diversificada, teve em cada década uma ênfase principal: 
.70 - formação humana através do aprendizado musical
.80 - conscientização ecológica geral e na agricultura
.90 - identidade cultural brasileira, mirando sobretudo a auto-estima e cidadania em grupos marginalizados
.00 - renovação das formas da educação e da formação de educadores, incluindo a conscientização parental
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Foi co-fundador, docente, editor e membro do conselho executivo do então Instituto Biodinâmico (Botucatu, 82-90); colaborador da Associação Monte Azul (São Paulo, 93-94); fundador e coordenador da Trópis iniciativas sócio-culturais (S.Paulo e Baixada Santista, 92-98-07), dentro de cujas atividades desenvolveu a Pedagogia e Filosofia do Convívio. Entre suas experiências complementares, gosta de destacar as de administrador de sítio, redator de publicidade, instrutor de idiomas in company, aprendiz em fábrica de pianos, tradutor e editor.
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A graduação em Pedagogia quando já ensinava há 31 anos (USP, 2006 - v. Rickli 2010b) foi antecedida de, entre outros, estudos de Piano e Educação Musical na Escola de Música e Belas Artes do Paraná; Desenvolvimento Rural e Agricultura Biodinâmica no Emerson College (Inglaterra, 79-81); Ano de Estudos em Língua Alemã no Institut Annener Berg (Alemanha, 90-91) e Artes Cênicas na Educação (ECA-USP, 94). Em 08-09 cursou a especialização ‘Pedagogia da Arte da Paz’ (Educação Infantil pelo prisma Waldorf - UNISA/Institu­to Sophia). Atualmente prepara um projeto de comparação, por um olhar contemporâneo, entre as concepções, propostas e práticas Waldorf e as de Henri Wallon.
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Sua produção escrita abrange ensaios e artigos jornalísticos impressos e na internet, traduções de diversos idio­mas (inclusive seis volumes integrais de Rudolf Steiner), poesia, teatro e ficção juvenil, inclusive o primeiro livro paradidático brasileiro sobre História das Civilizações Africanas (O dia em Túlio descobriu a África, 232 pp., 1997, teatralizado em 2009).
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Currículo acadêmico Lattes:
Curriculum Vitae e bibliografia completos: <http://ralf.r.tropis.org
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CUSTOS: abordagem sócio-pedagógica
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Temos que SER a mudança que queremos ver no mundo. Gandhi
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Sociedade saudável não trata trabalho como mercadoria. Pretendendo ser ações de construção de uma sociedade saudável, nossos serviços não podem ter preço: trabalhamos exclusivamente com acordos de viabilização conforme as possibilidades de todas as partes envolvidas.
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Da nossa parte, damos sempre nosso máximo em conteúdo e qualidade. Como contrapartida, pedimos que cada instituição ou grupo interessado ofereça o máximo de que seu orçamento permite dispor para fins desta natureza, com base no que já pagaram ou se disporiam a pagar a qualquer outro profissional por serviços comparáveis. Não há limites mínimos nem máximos. Havendo real interesse, nenhuma proposta é desconsiderada, desde que honestamente compatível com as possibilidades orçamentárias dos solicitantes.
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Algumas palavras sobre a abordagem
e os campos temáticos
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A perspectiva convivial
O Convívio como método e como meta
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As expressões Educação Convivial e Pedagogia do Convívio foram cunhadas por Ralf Rickli ao longo do caminho de pensamento-ação realizado junto com jovens das periferias de São Paulo e Baixada Santista na Associação Trópis, de 1993 a 2006.
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Trata-se de repensar os caminhos da educação partindo da sua forma mais básica e espontânea: o compartilhar de saberes no convívio cotidiano natural dos seres humanos. Reconhecendo ao mesmo tempo que a maior parte dos problemas da humanidade está ligado às dificuldades do convívio, formula-se então como educação no convívio, através do convívio e para o convívio. Embora desenvolvida inicialmente no trabalho extra-escolar com jovens, suas concepções têm a contribuir também para o trabalho em espaço escolar e com todas as faixas de idade.
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A Educação Convivial é ainda face prática de uma perspectiva filosófica desenvolvida ao longo de quatro décadas, centrada em um pluralismo absoluto que identifica o convívio na diferença como única forma possível de unidade, condição da própria existência no sentido da física, e da saúde ou bem nas dimensões ecológica, social e psicológica.
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Tomamos a palavra ‘convivial’ emprestada, em 1996, de Ivan Illich, que a introduziu em 1973. Não sabíamos, então, que um ano antes os Profs. Hoefel e Stahel também falavam de ‘Educação Convivial’, partindo de Illich, na Universidade S. Francisco (Bragança Paulista). Posteriormente diversos grupos usaram palavras idênticas ou aparentadas, como ‘convivencialidade’. São caminhos com histórias diferentes e com maior ou menor medida de métodos e de objetivos em comum – e que, coerentemente, podem e devem conviver.
Bibliografia específica: Rickli 2008, _ 2010a, 2.
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Campo 1
A chave invisível: o trato com as crianças pequenas e suas consequências no mundo
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Não aprendemos a fazer o que nos dizem: aprendemos a fazer o que nos fazem.
Prof.Dr. Marcos Ferreira Santos (FE-USP) 
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Seja em psicanalistas como Winnicott e Ferenczi, seja na pedagogia e psicologia inspiradas por Rudolf Steiner, seja em Vygotsky e Luria ou na Neurociência recente, está mais que demonstrado que a qualidade da atuação de um ser humano por toda a sua vida é determinada pelos sentimentos e modelos inspirados na primeira infância pela forma de agir dos pais e outros cuidadores e educadores (ou seja: não pelo conteúdo de suas palavras). 
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Isso é especialmente sério no período de formação das estruturas psíquicas fundamentais: da concepção aos três anos. É aí que, sem percebê-lo, cada geração tem depositado na seguinte o que pode ser chamado, sem exagero, de a semente do mal: feridas psíquicas que dão origem às tendências antissociais presentes em todo ser humano, inclusive a compulsão de repassar a mesma ferida à próxima geração – mais uma vez sem percebê-lo.
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Justiça, fraternidade e paz jamais serão construídas, portanto, sem enfrentarmos coletivamente esta que surge como a questão mais decisiva para a humanidade: como conscientizar e mobilizar os pais, educadores e outros ‘mais velhos’ no sentido de reverem seu modo de lidar com a criança pequena. Mas como começar? Bibliografia específica: Rickli 2010a. 
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Campo 2
A hora da Verdade: a atividade educativa com adolescentes e jovens
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A juventude está sozinha: não tem ninguém para ajudar / a entender por que é que o mundo é esse desastre que aí está. Renato Russo
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Nós demos a vocês 20 anos para nos fazerem fortes – fortes no amor, fortes em querer o bem - mas vocês nos fizeram fortes no mal. Porque são fracos no bem. Vocês não nos mostraram nenhum caminho que tivesse sentido, porque vocês mesmos não conhecem um tal caminho – e nem trataram de procurar. Porque são fracos.   
De um jovem sentenciado alemão, 1950-60
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A maior dificuldade atual da educação pós-puberdade (final do Ensino Fundamental, Ensino Médio, EJA e inclusive a Graduação superior) é provavelmente a impressão de falta de verdade nas palavras e atuação dos professores. Pedimos que se dediquem a temas aos quais nós mesmos não dedicamos interesse, que usem linguagens e posturas que nós mesmos não nos usamos na vida real, que almejem metas nas quais nós mesmos não pomos fé – sem falar que se espera que ministremos ‘educação sexual’ sem ninguém ter nos ajudado a resolver nossos próprios desconfortos com o assunto. Não é à toa que a maior parte do nosso discurso não cola, que os jovens via de regra não só não reconhecem em nós os modelos de que ainda precisam (segundo a Neurociência até os 25 anos!) como falam de nós com franco desprezo quando conversam entre si. 
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E no entanto esse é o nosso ofício... Existe saída desse impasse? E, afinal, sabemos o que é que os jovens realmente precisam receber de nós? – V. Rickli 2006, 1, 3, 4, 8, 11.3-4.  _ 2010, 1.6-10; 1.12
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Campo 3
A hora da fênix: reencontrando sentidos & relevância no conceito ‘Arte de Ensinar’
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Dona Didática já foi rainha e senhora na formação de educadores. Disseram que tinha ficado chata e mandona, e pior: pré-científica em seu generalismo. Que tinha mais é que morrer junto com a velha Escola Normal. Dona Didática deixou uma sósia no lugar que lhe tinham reservado a contragosto na faculdade... e se suicidou.
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Mas agora alguns começam a suspeitar que ninguém sabe fazer certas coisas que, bem ou mal, era ela quem fazia. Que talvez fosse preciso restaurar o lugar de uma Didática Geral. 
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Mas... Dona Didática está morta! Uma Inês de Castro na cátedra só traria mais problemas, não soluções!
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Ou seria Dona Didática uma fênix, capaz de surgir vigorosa, flexível, bela e cheia de novos poderes, justamente por ter tido coragem de destruir sua forma velha? 
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E, se for esse o caso, como saberemos que é ela mesma, e não outra qualquer de olho no seu lugar?
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Nossa aposta: pela definição que ela gostava de usar para si em sua juventude anterior: Arte de Ensinar.Este campo reúne questões variadas, porém todas com esse grande tema ao fundo. 
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Um pouco mais sobre a perspectiva na Carta aos colegas educadores em www.tropis.org/biblioteca (Rickli 2010b). Outras referências: Rickli 2006, 8; 10; 11.  _ 2010a.  _ 2010c.
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Campo 4
Viagens na História:
aventura estético-intelectual & aprendizado eficaz
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Poucas coisas estimulam tanto um jovem a assumir responsabilidade por si mesmo e sua coletividade quanto a percepção de que sua própria vida faz parte do tecido dos eventos históricos. Isso, porém, sequer é possível quando não se dispõe de uma representação interior da história suficientemente ampla e vívida – para o que não bastam nomes e datas e tampouco análises exclusivamente no sentido das relações econômicas. 
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Assim como só enxergamos a corporeidade das coisas usando dois olhos, nosso conhecimento só tem consistência suficiente para ser útil quando é convergência das vias analítica e estética da cognição (Rickli 2006,8). Trabalhar com isso requer, no entanto, uma mobilidade transdisciplinar que só obtemos indo bem além das exigências oficiais da nossa formação.
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Dos roteiros aqui propostos, o de familiarização com a música na história foi desenvolvido e aplicado por Ralf Rickli já em 1978. 
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O referente às civilizações da África e suas realizações culturais vem de 1992 – 11 anos antes da primeira lei federal a respeito. Sua aplicação desde então tem mostrado que, para jovens afrodescendentes e mesmo de outras etnias não-dominantes, o impacto motivador desta abordagem afirmativa é incomparavelmente superior ao de mera repetição da denúncia dos processos de opressão. (Rickli 1997; _ 1998; _ 2006, 4, 8)
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Bibliografia dos temas disponível na net
Em www.tropis.org/biblioteca encontram-se disponíveis, entre outros, os seguintes trabalhos relacionados com os temas oferecidos e a abordagem empregada : 
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RICKLI, R. (2010a). AOS QUE PODEM SALVAR O MUNDO: a Filosofia e Pedagogia do Convívio e seu apelo por uma nova consciência & arte dos Pais. 239 pp

._ (2010b). Carta aos colegas educadores, de um pedagogo que o é porque fugiu da escola. 2 pp.

_ (2010c). O desafio do relacionamento acadêmico com a obra de Rudolf Steiner (para a discussão da Pedagogia Waldorf). 10 pp.

_ (2008). LIBERDADE SOCIALMENTE SUSTENTÁVEL: uma intro­dução à Filosofia do Convívio e a algumas das suas aplicações. 35 pp.

_ (2006). PEDAGOGIA DO CONVÍVIO: na invenção de um viver humano. Coletânea de ensaios, 248 pp., dis­po­níveis também em separado. No caso especialmente: 

A proposta de uma Educação Convivial e a nossa Oficina de Conhecimento & Artes. 6 pp.  
4  Insuficiências da Educação, violência e juventude no Brasil. 13 pp.  
8  Em busca da integridade perdida. 20 pp.
10 Uma aula para Lili (sobre a perspectiva Waldorf em alfabetização). 2 pp. 
11 Mestres humanos ou crias de Frankenstein? - para a criação holográfica do par interdependente ‘democracia viável’ e ‘formação profissional conseqüente em educação’. 63 pp.

_ (2003). Relacionando-se com a Antroposofia como discurso religioso ou discurso científico. 8 pp. Em ‘Trópis e antroposofia em diálogo’.

_ (1998). O Túnel da História e o indivíduo como chave do social. 3 pp.

_ (1997). O DIA EM QUE TÚLIO DESCOBRIU A ÁFRICA. Ficção paradidática, 232 pp. Alguns capítulos disponíveis em www.tropis.org/afro; versão teatral (2009) a publicar em breve. Complementado por: África: um roteiro cultural e histórico, seleção de fotos e mapas em apoio visual ao roteiro do livro e peça, em http://bit.ly/ct0mWd  e  http://bit.ly/bo9aNO
 

05 agosto 2010

GUNNAR VARGAS HOJE NO BAR DO BINHO

 
HOJE, NO
BAR DO BINHO
, ÀS 2O:3O

 
GUNNAR VARGAS
E SEU
VIOLÃO

MÚSICA DE EXCELENTE QUALIDADE: 
... CHICO
BUARQUE,
... ITAMAR
ASSUMPÇÃO
... JOÃO
BOSCO
 
... E O MELHOR:
SUAS PRÓPRIAS MÚSICAS
 
O BAR DO BINHO É NA RUA AVELINO LEMOS JR. 60 • PRÓXIMO À UNIBAN CAMPO LIMPO
SAMPA ZONA SUL • 11 5844-6521

 
Obs: hoje também tem o Sarau da Vila Fundão com participação especial do Grupo Candearte

26 julho 2010

O inacreditável vazamento de VERDADE na Folha de hoje

 
O Brasil-em-campanha parece ter amanhecido sob o impacto de a Folha de S.Paulo ter-se permitido publicar em sua página 3 (um dos espaços de maior destaque automático em qualquer jornal impresso) um inacreditável pacote de descrições-de-fatos verdadeiras com efeito de avaliações positivas sobre o governo Lula.
 
É preciso admitir que não é a primeira vez que um texto de Fernando Barros e Silva brilha como exceção honrosa num jornal em que a manipulação desonrosa se tornou a regra - e a bem da verdade mesmo, há hoje mais dois textos excelentes quase na seqüência, os quais também quero comentar aqui em outro momento.
 
Mas ainda antes de passarmos ao texto de Barros e Silva, observo que andava pensando há uns dias que ultimamente tem se usado pouco a palavra “centro” no debate político. Pois é justamente nela que o artigo em questão vai terminar - e como de costume é com certa ironia que a palavra é usada. Isso me provoca a escrever em breve sobre os diferentes sentidos usuais e/ou possíveis de “centro” em política, entre eles “Centro como pseudônimo de certa Direita”, “centro estático” e “centro dinâmico”. Só espero encontrar tempo, pois já nem sei o que faço com tamanha lista de artigos semi-escritos na cabeça!


Fernando Barros e Silva
DIREITA, ESQUERDA, CENTRO

Folha de S.Paulo, 26.07.2010
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2607201003.htm
 
Há no Brasil uma direita escandalosa e disposta a se escandalizar com tudo. Sua representação é mais midiática do que propriamente política. E o lulismo tem a ver com uma coisa e outra.
 
Ao mesmo tempo em que o êxito do governo (e, em particular, de Lula) inibiu a emergência de uma opção de direita puro-sangue à sua sucessão, também desinibiu, pela mesma razão, o ressentimento ou às vezes o ódio de setores que se julgam ameaçados pela nova ordem.
 
A base social dessa direita, para quem o mundo virou de ponta-cabeça, não são exatamente os detentores da riqueza extrema, que vão muito bem e talvez daqui a pouco tenham saudade. Nem, é claro, a massa pobre, que já esteve em situação pior e sentirá a falta de Lula.
 
A direita estridente, cínica ou raivosa, fala a (e por) setores de uma certa alta classe média, que teve seus sonhos ou pretensões de exclusivismo azedados pela emergência da "nova classe média".
 
Em termos políticos, a figura um tanto folclórica de Indio da Costa é um sintoma do que restou à direita, imobilizada diante de um presidente que parece ter apresentado o país a si mesmo. Lula, afinal, faz um governo de comunhão nacional.
 
Se a direita grita sua impotência, a esquerda nunca pareceu tão satisfeita. O lulismo anestesiou a intelligentsia, cooptando boa parte dela. Inverteram-se os papéis clássicos: temos hoje uma direita apocalíptica e uma esquerda integrada.
 
Nesse ambiente, o campo de discussão crítica ficou estreito e está contaminado pelo sectarismo de uma polarização algo artificial.
 
Direita e esquerda ganham lastro na vida real quando vêm acompanhadas do prefixo "centro". Centro-direita, centro-esquerda -é por aí, distante das extremidades, que a política entre nós caminha (ou patina). Discute-se a "ampliação" do Bolsa Família, a "revisão" da política cambial etc. As brigas intelectuais, por isso, podem soar ridículas. Como se, sem perceber, todos ali fossem só "radicais de centro".
 

17 julho 2010

Os anos-sem-lembrança da infância como porta invisível do Outro Mundo Possível

 
Os sete pontos a seguir, desdobrados em 31 sub-pontos, delineiam o que pode ser chamado a tese principal da nossa monografia Aos que podem salvar o mundo.
 
Sua leitura não chega a ser extremamente difícil, mas também não se pode dizer que seja fácil. Ainda assim, convido todos os meus amigos a conhecerem, pois se houver algo de importante no que eu produzi até hoje, este texto e a Minuta para um Estatuto Fundamental da Humanidade são sem dúvida o mais importante de tudo.
  
Para facilitar o contato inicial, apresento-o aqui sem notas de rodapé nem referências bibliográficas. Para quem quiser conhecer este texto no contexto da monografia original (onde ele é a seção 0.3), ela está disponível na íntegra em www.tropis.org/biblioteca (onde se encontra também o Estatuto Fundamental da Humanidade). 
 
Aviso, porém, que considero toda essa monografia ainda um mero tatear na direção indicada por estes pontos: a superação do que alguns autores já chamaram de o batismo do mal (explicado sobretudo no ponto 5 e seus sub-pontos), sem a qual o ser humano continuará não implementando as soluções possíveis para os seus problemas maiores, muitas das quais já encontradas, simplesmente porque tal "batismo" o torna psicologicamente incapaz de ser solidário na medida necessária.



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1. Na formação do ser humano a experiência se torna estrutura: aquilo pelo que eu passo, isso passa a me constituir.
 

1.1 Tanto efeitos diretos da experiência podem se fixar em nós, e usualmente se fixam, quanto reações do nosso organismo físico e/ou psíquico a esses efeitos.
 

1.1.1 Na linguagem da ciência atual, tudo isso pode ser expresso em termos de informação: “informar”, “entrada de informação”, “registro da informação”, “conteúdo informacional armazenado” etc.
 

1.2 Embora essas duas dimensões estejam tão intimamente relacionadas que dificilmente se pode falar de uma sem encontrar implicações na outra, ainda assim se pode falar de informações cujo efeito é primordialmente físico, e de outras cujo conteúdo mais relevante é de natureza psíquica. As duas são significativas para a vida psíquica (p.ex., o efeito físico de substâncias tóxicas recebidas durante a gestação pode ter efeitos limitantes na vida psíquica futura), mas as presentes considerações serão centradas no que causa impressões sobre a vida psíquica (sendo portanto capaz de provocar respostas como, por exemplo, medo, confiança, alegria, tristeza etc).
 

1.2.1 Ainda assim, será conveniente recordar sempre que a dimensão física não está excluída destas considerações; apenas não é por ela que segue o seu fio condutor.
 

1.3 Quanto a sua origem, as informações recebidas podem serem tanto casuais quanto sistemáticas, caso em que podem proceder de fonte ambiental, de fonte humana individual (p.ex. a mãe), da dimensão micro-cultural (os procedimentos usuais de um grupo, p.ex. a família), da macro-cultural (os costumes de todo um país) etc.
 

2. Os efeitos estruturantes da experiência são máximos justamente no período da amnésia infantil (os anos iniciais de que temos pouquíssima ou nenhuma lembrança).
 

2.1 Há diversas hipóteses e provavelmente diversas causas simultâneas para a amnésia infantil: nosso interesse aqui é por uma delas em especial, cuja realidade parece mais que suficientemente atestada (sem que isso diga nada em contra nem em favor de outras possíveis causas): a experiência dos anos iniciais é inteiramente “devorada” pela constituição de estrutura. Usando como analogia a linguagem dos computadores, seu conjunto de dados passa a atuar como um programa, e deixa de ser acessível como documento.
 

2.1.1 As experiências provavelmente só passam a ser disponíveis como lembranças na medida em que sejam redundantes; isto é: que a estrutura que iriam constituir já estiver formada.
 

2.1.2 Mesmo nesse caso, as experiências provavelmente não deixam de interagir com as estruturas com que têm afinidade, quer reforçando-as, quer de algum outro modo.
 

2.2 Embora haja diferenças, também são de grande importância – e igualmente não recordadas – as experiências do ser humano em gestação, razão pela qual, salvo indicação explícita em contrário, neste trabalho considera-se o período de gestação sempre incluído nas referências ao período da amnésia infantil.
 

3. O ser humano adulto deve enorme parte de seu modo usual de ser e agir à forma como foi estruturado pelas experiências vivenciadas na época da amnésia infantil.
 

3.1 De todos os aspectos do ser humano, estes são evidentemente os mais difíceis de modificar, assim como seria extremamente difícil intervir nas fundações enterradas de um edifício.
 

4. O próprio fato de não ter lembranças da fase da amnésia infantil faz com que a maior parte dos adultos mostre escassa ou nenhuma compreensão frente aos sentimentos e outras vivências das crianças que estão atravessando essa fase.
 

4.1 Essa usual incompreensão dos adultos pelo que as crianças sentem inclui a incompreensão dos efeitos que seus atos têm ou podem ter nessas crianças.
 

4.1.1 Na verdade a incompreensão parece ser especialmente forte diante disso, sugerindo que haja outros componentes envolvidos além da incapacidade biológica de lembrar – mas não é preciso deter-se nisso para os presentes fins.
 

4.2 Como visto nos pontos 1 e 2, as crianças em questão serão inevitavelmente marcadas por esses atos realizados sem compreensão pelos adultos, e marcadas em suas estruturas psíquicas mais profundas e perenes; e como visto no ponto 3, essas marcas se expressarão no modo predominante de ser e agir dos novos adultos que essas crianças se tornarão.
 

5 À parte outras marcas possíveis, o que uma criança nessa fase vê fazerem diante dela, ouve fazerem perto dela e, sobretudo, sente fazerem a ela, tudo isso permanece inscrito em sua estrutura não como uma informação qualquer, e sim como modelo ou receita de como se deve agir em situações semelhantes. Esse modelo não atua apenas como uma aparência exterior vaga, mas é incorporado como um conjunto de instruções de procedimento detalhadas.
 

5.1 É evidente, portanto, que os atos nocivos cometidos por um pai ou mãe no trato com seus filhos, sobretudo os de até cerca de três anos de idade, têm alta probabilidade de serem repetidos por esses filhos quando adultos, no trato com seus próprios filhos – e igualmente evidente que isso tende a se repetir em não só uma nova geração, e sim ao longo de muitas gerações, tornando-se forma-padrão de agir de vastas redes familiares, quiçá de todo um povo.
 

5.2 É compreensível, portanto, que grande parte das formas de agir humanas tenha caráter nocivo mas resista às tentativas de modificá-la a partir da análise racional – até mesmo das tentativas empreendidas voluntariamente pelo próprio indivíduo – pois é expressão de erros cometidos em tempos imemoriais que vêm se reproduzindo como que automaticamente de geração em geração.
 

6 Apesar disso, é possível modificar o próprio modo de ser e agir mediante um empenho intensivo e continuado da consciência.
 

6.1 Por outro lado, não é possível a alguém modificar o comportamento de outros indivíduos já constituídos como sujeitos sem que isso constitua um ato de violência. O que é possível é sugerir ao outro que modifique seu comportamento, sugestão essa que ele tem o direito de aceitar e implementar, ou de rejeitar.
 

6.1.1 Isso significa que, haja ou não outros fatores em questão, no mínimo devido à resistência das configurações estruturais de cada indivíduo as coletividades humanas só podem apresentar enorme resistência à mudança dos comportamentos que predominam nelas – pois a mudança num sentido consciente depende de: (a) a opção inicial de cada indivíduo entre querer ou não querer conscientizar-se de que seria interessante mudar; (b) sua disposição de, em conseqüência da primeira opção, ingressar em um período de aprendizado sobre a mudança desejável; (c) uma vez relativamente avançado nesse aprendizado, enfrentar processos muitas vezes difíceis e dolorosos de enfrentamento dos traços nocivos preservados na sua configuração estrutural; (d) a vitória nesse enfrentamento não é garantida.
 

6.1.2 É possível induzir pessoas e grupos a mudanças de comportamento sem esse processo de conscientização e enfrentamento estrutural individual, porém isso significa manipulação, e tanto é moralmente indefensável quanto termina sendo inefetivo no médio e longo prazos, pois a regência das estruturas profundas tende a retornar. Baste como exemplo (ainda que se encontrem dezenas de outros) a intensidade com que a xenofobia e outros comportamentos anti-sociais têm emergido nos lugares que haviam antes sido tornados “justos e fraternos por decreto” pelos regimes ditos comunistas.
 


6.2 Em conseqüência de tudo o que foi visto, revela-se a lei de que mudanças de comportamento conquistadas por um indivíduo permanecem lábeis se não forem transmitidas para a geração seguinte. Em outras palavras, não se generalizam como conquista grupal pelo menos relativamente estável na mesma geração do indivíduo, mas somente se chegarem a ser transmitidas para pelo menos mais uma geração.
 

6.2.1 Naturalmente, esse efeito se dá com a máxima intensidade se a mudança conquistada pelo indivíduo envolve o trato desse indivíduo com seus filhos na primeira infância, influindo assim na configuração estrutural profunda do psiquismo desses filhos.
 

6.2.2 Isso não significa que na geração seguinte a mudança se expresse necessariamente em forma idêntica à conquistada pelo pai: se o trato com os filhos se aproximou do adequado, esses deixarão de ser vítimas de estruturas aprisionantes ou paralisadoras, e terão reconquistado a mutabilidade, flexibilidade e disponibilidade para a evolução que temos razões de considerar próprias do ser humano saudável.
 

6.2.3 Esse ato significa, portanto, abrir mão da prepotência doentia que é considerar a si mesmo um modelo suficientemente acabado para que seja desejável tê-lo reproduzido geração após geração.
 

6.3 Por meras razões matemáticas, mudanças de comportamento conscientes só podem chegar a ser significativas na escala coletiva (ou dimensão social) se chegar a haver uma certa massa crítica de pais e mães dispostos a reconfigurar seu modo de agir com os filhos.
 

6.3.1 Atualmente é corriqueiro o discurso sobre massa crítica na mudança de comportamento coletiva, mas essa perspectiva será sempre ilusória caso não envolva a atuação sobre o ponto nodal de maior alcance que há na humanidade, que é a constituição do sujeito entre a concepção e aproximadamente os três anos de idade.
 

7. Esta tese é ao mesmo tempo justificativa de um programa de Educação para a Paternidade e o conteúdo central, organizador dos demais, a ser ensinado num tal programa.

*   *   *

[Tendo sido elimindadas as referências bibliográficas, não quero deixar  de mencionar que esta 'tese' deve bastante aos psicanalistas Ferenczi e Winnicott, a alguns psicólogos que trabalham a partir de idéias de Rudolf Steiner (como Henriette Dekkers) e à recente descoberta dos neurônios-espelho por Giacomo Rizzolatti. Além disso, mesmo sem ter partido dessa escola, apresenta alguma afinidade com idéias da Gestalt. Não deve passar despecebido, ainda, que a expressão "Outro Mundo Possível" deriva do lema do Fórum Social Mundial.]

01 julho 2010

'A mão que afaga...' ou: típico de ratos abandonando navio

 
Chamada no UOL e título no blog Josias de Souza: 'Não tenho a menor ideia de nada', afima vice Índio.
 
Ao checar o contexto, não deu pra não fazer o seguinte comentário - que duvido muito que seja liberado por lá:

Pessoalmente sou totalmente anti-Serra e anti-DEM, mas tenho que reconhecer: a frase é parte da resposta a uma pergunta sobre o que deveria mudar na campanha do Serra [resposta que se conclui assim]: "O que vou fazer é entender quais são os problemas e de que maneira eu posso contribuir. Mas é muito cedo para tudo, faz três horas que eu fui indicado, não tenho a menor ideia de nada."

Extrair essa frase do seu contexto é jogo baixo. Os anti-Serra e anti-DEM de qualidade não precisam desse tipo de jogo - que, sinceramente, parece típico de rato abandonando navio que afunda e em campanha para ser aceito em outro.

Sei que é provável que este comentário não passe pela sua 'moderação', por isso já está também no meu próprio blog. Com um poético título extraído de Augusto dos Anjos: 'A mão que afaga é a mesma que apedreja'...

27 junho 2010

A CORUJA E O CHOPIM (uma historinha de 1990, ou então: "algumas coisinhas que eu já tinha aprendido 20 anos atrás"...)


NOTA NÃO SEM IMPORTÂNCIA: Ser chopim é um papel social específico entre os bichos. Por um acaso, os chopins de penas tem estas de cor preta - mas existe uma infinidade de pássaros de penas pretas que não são chopins. Por outro lado, entre os chopins sem penas, as cores são as mais variadas; nunca notei nenhuma relação significativa entre o comportamento chopinesco e algum tipo de cor em particular.
Era uma vez uma corujinha um tanto inconformada com a vocação ou fama das corujas. Estava farta dessa história de serem procuradas pelos outros bichos quando tinham dúvidas a esclarecer, problemas a resolver, e em seguida serem deixadas de lado. Sozinhas.
 
– Os bichos parecem ter medo de nós... Nem desconfiam que a gente às vezes também gosta de companhia, de diversão, de falar bobagem como todo mundo. E que sentimos falta de... carinho! E que falta!
 
De fato, as corujas suas colegas, na maior parte, não conseguiam desvestir uma certa solenidade, entregar-se relaxadamente a um carinho – nem mesmo ao terminar um brilhante discurso em favor da descontração e do carinho. Tinham chegado teoricamente à conclusão de sua importância, mas não sabiam como começar. Iriam sentir-se ridículas.
 
– Isso é um círculo vicioso! Vou é procurar a companhia de outros pássaros. Tico-ticos são tão alegres, que me importa se têm cérebro de tico-tico! E os sabiás, como cantam! E como se divertem os chopins!
 
A bem da verdade, devemos esclarecer que nossa corujinha não era ignorante ou preguiçosa de enfrentar o mundo do saber: ao contrário, relativamente jovem ainda, costumava espantar as corujas mais velhas (que lhe entendiam melhor), e tinha de conter-se ao conversar com as de sua idade, geralmente mais versadas do que ela em alguma especialidade, mas incapazes de acompanhá-la em seus ousados vôos transdisciplinares.
 
Isso a fazia confrontar uma imagem de velhice precoce que a irritava muito,
e ela resolveu “mudar-se da casa dos eruditos, e bater a porta ao sair.” (Como boa intelectual, lá por dentro apoiava sua decisão numa espécie de nota de rodapé do pensamento: “No dizer de Nietzsche, citado por Rubem Alves em Conversas com quem gosta de ensinar, que acabamos de reler.”)
 
Foi direto a um conhecido e barulhento galho-bar. Por um instante estremeceu antes de entrar: “vão perceber que não sou habituée”. Mas aí lembrou ter lido que o álcool nivela tudo. Por via das dúvidas invocou a palavra “nonchalance”, estufou o peito, e foi direto até o balcão.
 
– Vê uma purinha aí pra mim, ô meu. – Sentiu-se ótima falando assim. Naturalmente os habitués e garçons estranharam um pouco, mas ela evitou olhar em torno até sentir, na terceira dose, que estava pronta.
 
Ora, a menos que o leitor também esteja bêbado não vai agüentar descrição detalhada dos papos & acontecimentos daquela noite. Basta dizer que logo – ela não lembra como – se viu sentada numa mesa cheia de velhos conhecidos nunca antes vistos. Não era ignorante de artes teatrais, e conseguiu certo sucesso soltando piadas que passaram por novas – é que tinham sido ouvidas há dez, quinze anos, e ela não sabia esquecer.
 
Lá pelas tantas um anu lhe perguntou: – Mas e aí, dona Coruja, conta aí pra nós o que foi que aprendeu lá nos livros, nos seus estudos... Não me leve a mal, eu sou uma ave ignorante, a senhora sabe, mas sou curioso, gosto de perguntar. Conta aí o que aprendeu!
 
– Pois estudando as mais antigas e sagradas escrituras – respondeu com bêbada solenidade lembrando a citação do Eclesiastes que
“acabara de reler em Rubem Alves, op.cit.” – o que aprendi foi o seguinte: no muito saber há enfado, e quem aumenta ciência aumenta tristeza.
 
Olhou em torno, mas não sentiu nem sinal do sucesso que essa frase teria causado entre suas colegas. Sentiu até uma certa decepção, como se de fato esperassem alguma coisa dela, alguma coisa real. Mas como, se real era justamente o que lhe faltava? Não deixou passar mais um instante e completou com outra citação da literatura bíblica: – E que
o vinho alegra o coração do homem. Garçom, traz mais! Traz pra todo mundo. É por minha conta!
 
Foi o bastante: se havia outra expectativa, foi esquecida, e a corujinha foi eleita a uma vez “membra” honorária da turma e rainha daquela noite.
 
 
Mais tarde saíram por aí, ainda em bando, e logo se aproximou da corujinha um chopim. Ela estremeceu: tinha passado a noite com os olhos naquela gracinha de chopim, franguinho ainda, do outro lado da mesa. Tinha tido a impressão de que ele, que quase não tinha falado, às vezes também olhava pra ela, mas achava absurdo pensar que um tão jovem e desejável passarinho desse bola pra uma coruja, e já algo madura. Ainda não sabia que há bichos atraídos pelo aspecto de experiência e sabedoria, mesmo que não lá muito pelo conteúdo das mesmas.
 
Enfim: papo vai, papo vem, terminaram a noite na toca da coruja. Do alto de uma sensação de glória ela só se perguntava: “não sei por que é que esperei tanto pra cair na real!
 
 
Não podemos dizer que não durou, o caso de nossa corujinha e do franguinho de chopim: este, relatando sérias incompatibilidades familiares (ainda mais que chopim costuma sair do ovo em ninhos dos passarinhos mais inesperados!) pediu licença e trouxe as malas para a toca. A coruja ficou muito feliz: da noite para o dia sentia sua vida cheia, rica, divertida... Às vezes estranhava alguma coisa, mas achava que, enfim, era tudo uma questão de tempo, era o aprendizado das regras de uma nova vida, muito mais interessante.
 
Uma ou outra vez alguma atitude do chopim chegava mesmo a chocá-la. Não estava convencida, por exemplo, que dividir a comida por igual fosse um refinamento decadente de sua classe, e se incomodava ao vê-lo encher o prato sem lembrar dos outros. Mas era só ele vir com aquele biquinho pra um cafuné e ela se desmanchava, esquecia tudo.
 
 
Com o tempo começou a descobrir que não desprezava tudo na antiga vida de coruja. Às vezes se pegava entediada no meio da conversa do bar, ou dos chopinzinhos que vinham à sua toca visitar o amigo. Às vezes sentia - estranho! - vontade de discutir algum assunto mais erudito, um pouquinho só... Começou a convidar de vez em quando antigas companheiras. Escolhia as mais ousadas, que não se chocassem com seu caso chopinal, e até soubessem, de um modo ou de outro, apreciá-lo. Ele até que se esforçava: falava pouco, às vezes conseguia dizer alguma coisa sobre um livro que estivesse tentando ler – dava seus foras, é verdade, mas as amigas da coruja eram educadíssimas e consertavam as coisas disfarçadamente, ou fingiam não ver.
 
Depois de algumas vezes também ele não escondia seu tédio, e aí combinaram que não iam fazer tudo juntos: que às vezes ela receberia corujas em casa e ele encontraria os amigos no bar. E algumas vezes funcionou.
 
Mas de repente ele achou injusto ter de sair. Afinal, morava ali ou não morava? E começou a entrar e sair no meio dos encontros de corujas, trazer todo mundo pra lá. A corujada de início até se divertia, mas dali a pouco também se entediavam e, ao verem que toda a comida oferecida era devorada pela chopinzada, começaram a pensar duas vezes antes de visitar a extravagante amiga -
 
... a qual, dessa vez, resolveu reclamar quando se viu sozinha com o chopim. Mas quem disse que este estava com paciência? – Qualé, coruja velha, vai querer regular, agora? – e saiu, jogando-a pra um canto com força bastante pra machucar. Coruja é mais forte que chopim, mas nossa amiga teria achado uma indignidade reagir.
 
“Acho que não dá mais”, ficou pensando sozinha. Mas à medida que a noite avançava e ela relembrava a toca de antes, fria e solitária, perdia toda a coragem de terminar. Lembrava aquelas peninhas pretas, aquele cheirinho de passarinho jovem... e quando afinal o chopim chegou, de madrugada, batendo porta, foi ela quem foi encorujar-se em suas asas e pedir perdão.
 
 
E assim continuaram as coisas. Decidida a não perder o chopim, a coruja passou a investir mais e mais em divertimento e mesa farta. Voltou a pagar rodadas de bar. Em casa muitas vezes observava que já tinham avançado no estoque de inverno, e ainda mal era outono. Pensava às vezes em dar um toque, mas dizia a si mesma “deixe de ser careta! A fábula da Cigarra e da Formiga não passa de uma história capitalista, uma pedagogia da exploração! O negócio é viver o momento, essa moçada tem razão.”
 
Uma ou outra vez chegou a falar de sua preocupação ao chopim – e uma e outra vez saiu arranhada e bicada, de novo sem querer reagir. Pras amigas arranjava alguma desculpa pros machucados, sentia-se meio ridícula, mas não ousava tomar atitude. “Ainda mais que aí vem o inverno, e será tão bom ter o calorzinho do meu chopim...”
 
Mas... justo ao começar o inverno é que estourou a bomba: de repente, a despensa vazia, não havia mais como disfarçar. E a coruja apresentou ao chopim não mais uma previsão, mas um fato consumado.
 
– Bom – reagiu o  passarinho – acho que o melhor que se tem a fazer é ir procurar outros ares. Há lugares onde ainda é verão.
 
– Mas não vai ser difícil a gente começar vida nova, do zero, em outro lugar?
 
– A gente? Por que a gente? Em época de dificuldade é melhor cada um se virar por si. Eu já estou pronto, falô?
 
– Mas, peraí: eu não posso deixar assim minha toca, não tenho muita coisa, mas, sabe como é, esses livros, os desenhos originais de artistas amigos, seria loucura deixar e...
 
– Isso é problema seu! – largou o chopim já virando as costas e disparando pelos ares.
 
 
Não é preciso dizer que foi um duro inverno, o que nossa amiga passou. Na carta em que me contou suas aventuras e desventuras, ela diz ter chegado a duas conclusões – ou melhor: a uma conclusão e uma não-conclusão:
 
“Primeiro”, diz ela, “podem dizer que A Cigarra e a Formiga é uma fábula careta, mas o inverno existe. É frio e dói. Se você, ao contrário das cigarras, é um ser que vive mais de um ano, tem que fazer alguma coisa a respeito. Não precisa fazer como formigas, que acumulam mais do que precisam, e por isso se multiplicam tanto que infernizam o resto do mundo. Mas alguma coisa tem que fazer.
 
“Escrever livros dizendo que o inverno não existe, isso, meu amigo, só fazem os que estão bem abrigados.
 
“Segundo, a não-conclusão: minhas amigas dizem que nunca dá certo, caso de coruja com chopim. Que é sempre assim. Eu não sei. Cientificamente tudo que posso dizer é que esse chopim não deu certo. E que não é prudente trazer chopim pra casa antes de conhecer melhor.
 
“Mas sou uma coruja teimosa: já imaginou se consigo provar, contra todas elas, que é possível a felicidade conjunta de uma coruja e de um chopim? Agora, meu amigo, com licença, acabo de ver uma gracinha pousar no galho ali do lado.”
 
(E eu, o que posso fazer além de, cientificamente, esperar pra ver?)
 
Ralf Rickli • Botucatu, 1990
Publicado anteriormente em Duas Histórias de Corujas
São Paulo: Trópis, 1998