Carta aberta ao subprefeito Beto Mendes, da região de M'Boi Mirim
- Periferia Sul da cidade de São Paulo -
Versão 2, aperfeiçoada: 10.10.2009
Versão 2, aperfeiçoada: 10.10.2009
Prezado Sr Subprefeito
O senhor talvez ainda não tenha tido tempo de perceber o quanto é extraordinária a região de que foi designado administrador: estou aqui desde o início dos anos 90, e nessas duas décadas vi M'Boi Mirim e Campo Limpo conquistarem por esforço próprio um patamar de extraordinária vitalidade cultural, que as coloca em posição honrosa se comparadas às periferias de megalópoles em qualquer parte do mundo.
E essa vitalidade, que efetivamente vem se destacando internacionalmente, foi construída inteiramente pelos movimentos da sociedade civil. Em alguns momentos o Poder Público teve o bom senso de apoiar uma ou outra frente desse conjunto de movimentos autônomos, e honrou-se com isso. Em outros momentos o Poder Público o ignorou e naturalmente as dificuldades do movimento foram maiores - mas nem por isso deixou de atuar.
Mas existe uma terceira possibilidade de relação entre o Poder Público e a Vida Cultural da sociedade, além da forma positiva que é fornecer apoio neutro (infraestrutura e/ou recursos) e a forma relativamente pouco prejudicial que é ignorar: é quando o Poder Público tenta ser ele mesmo o agente de cultura, tomando o lugar dos criadores e/ou educadores que são os agentes legítimos dessa área ou então tenta manipular segundo o interesse dos seus ocupantes essa frente cuja própria natureza é, como diz Paulo Freire, a prática da liberdade.
Grandes ou pequenos, os exemplos na história são todos patéticos: Nero, Hitler, Stálin, a censura às criações de Chico Buarque e a promoção das ridículas marchinhas de Don & Ravel pela ditadura militar.
No dia 8 de outubro tive a oportunidade de participar um debate notável no Sacolão das Artes. Não sei que notícias tortas podem ter lhe dado a respeito, Sr. Subprefeito, mas tratou-se de um debate de extraordinária seriedade, em que múltiplas posições se bateram por vezes duramente umas com as outras - porém jamais na tentativa mesquinha de derrubarem umas às outras, e sim de amadurecerem democraticamente um consenso mínimo para a atuação conjunta pela realização de mais dignidade humana na nossa região.
Pois tem sido a sociedade civil, através da ação cultural, quem tem feito mais pela elevação da dignidade humana na Periferia Sul - mais do que tudo o que o Poder Público já foi capaz.
Com isso não estou pedindo que o Poder Público tente agora "mostrar que também pode", atrapalhando ou destruindo com isso o que a sociedade já fez! Seu papel não é competir com a sociedade, e sim prestar serviços a ela a única verdadeira proprietária do poder segundo toda a teoria democrática e a própria Constituição. (Isso até parece discurso neoliberal, não é mesmo? A diferença é que estou falando de um povo inteiro, e não dessa pequena minoria que são os detentores de capital).
O senhor realmente acredita no nome "democracia" no nome do seu partido, Sr. Subprefeito? Ou é mais um daqueles que conspurcam esse nome usando-o para inglês ver?
Se o senhor tem respeito a essa palavra - e portanto a si mesmo - tenho certeza que irá lhe cair a ficha de que seria um tiro no próprio pé levar adiante as tentativas de intervenção no Sacolão das Artes e na Casa de Cultura M'Boi Mirim - dois dos lugares que mais têm ajudado a elevar o movimento da Cultura Periférica ao nível de importância a que já me referi.
O senhor prefere ficar conhecido como o homem que garantiu a continuidade desse processo, cumprindo nobremente o papel de servidor que lhe cabe enquanto administrador? Ou ficar conhecido como o imprudente que destruiu anos e anos de trabalho da sociedade civil em prol da região, por se meter a intervir autoritária e atabalhoadamente em processos que ainda nem chegou a conhecer?
Se não pudermos contar com sua compreensão e apoio sincero, contamos no mínimo com seu bom-senso político, Sr. Beto Mendes!
Pelo fim imediato das tentativas de intervenção arbitrária e de uso politiqueiro dos equipamentos culturais de jurisdição municipal da região de M'Boi Mirim!
Ralf Rickli, pedagogo e escritor,
fundador da Trópis iniciativas sócio-culturais,
em atuação na região desde 1993
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