Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

10 fevereiro 2008

Liberdade de Imprensa, DEMOCRACIA e Liberdade de Expressão

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Amig@s: a realidade mostrou que meu compromisso original de postar todo sábado deve ser atualizado para postar todo DOMINGO. Pode ser que às vezes antecipe ou que faça outras postagens durante a semana, mas a garantia que pretendo dar é de que não chegue 0 h de segunda sem postagem nova.

Por outro lado, vou tentar manter o ritmo que já está existindo: pelo menos 2 postagens poéticas + 2 postagens filosóficas por mês, se possível alternadas.

Relembro que as palavras & idéias contidas aqui podem e devem ser reproduzidas, desde que claramente mencionados o autor e a fonte, com link.
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1. UMA PALAVRA SOBRE O ÂNGULO DE OBSERVAÇÃO:
O PLURALISMO RADICAL
Tenho usado este blog como um espaço de expressão tão pessoal, que talvez fique parecendo que o jogo-de-palavras embutido no nome (plural + ralf) se refira aos "3 poetas que são 1" (da postagem de 03/10), ou a coisa parecida.
E não é que não possa ser entendido também assim, mas a intenção original, que não foi abandonada, é um bocado mais ampla: é usar este espaço para falar sobre e a partir de um ponto-de-vista que eu chamo PLURALISMO RADICAL - o "nome de briga" daquilo que também usa o nome aparentemente pacato de Filosofia do Convívio.
Sob qualquer um dos nomes, trata-se de filosofia ética e ao mesmo tempo política. Aliás, dentro do seu campo-de-força essas duas palavras designam uma coisa só. E é política mesmo quando fala de... "o melhor modo de deixar prendedores de roupa no varal", ou outros detalhes do cotidiano.
Mas se quiserem uma relação com palavras mais usuais no campo político, Pluralismo Radical é democracia radical: democracia expandida até o seu limite máximo - e isso não porque alguma coisa a limite de fora, e sim porque expandida até o máximo permitido pelos próprios limites da lógica; limites matemáticos.
Mais: Pluralismo Radical é a condição de viabilidade da democracia - e o artigo que cabe aí é "a" mesmo: a condição primeira e última, em relação à qual toda e qualquer outra condição será naturalmente secundária.
Não é menos que isso a sua pretensão... - e não é por menos que o livro Filosofia do Convívio está demorando tanto a ficar pronto!
Essa uma das razões deste blog: enquanto o livro não fica pronto, vou tentando dar aqui alguns exemplos de aplicação do pensamento pluralista radical a questões várias - por exemplo, essa questão tão palpitante no momento que é a da relação entre democracia e liberdade de imprensa.
Só que para este não virar outro capítulo inacabado do livro inacabável, o que vou fazer são sobretudo afirmações (ou, em termos mais usuais no campo filosófico: registrar proposições), com poucas justificações. Com isso fica aberto o debate -
... mesmo se com certeza bem pouca gente sabe que este blog existe, e ainda menos que está aberto aqui o debate sobre a condição maior da viabilidade da democracia...
2. LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA SÃO ALIADOS OU INIMIGOS?
Depende.
O que é um constituinte fundamental da democracia é a liberdade de expressão. Será "imprensa" um equivalente exato de "expressão"?
A imprensa funciona como um amplificador do alcance da expressão de um indivíduo. Faz com que as palavras e idéias de uma só pessoa consigam preencher o espaço que só seria preenchido por milhões de pessoas sem tal amplificação. Será que esse mesmo poder é compartilhado com todos os atingidos? Ou seja: será que toda pessoa que quiser contestar um artigo de jornal conseguirá fazê-lo e ser lida por todos os que o leram? Evidentemente, os casos em que isso acontece são ínfimas exceções.
Na verdade a imprensa como a conhecemos, muito ao contrário de representar meio de expressão para muitos, tem servido para fazer a voz de uns poucos escolhidos tomar o lugar da voz de muitos. E não me diga que esses muitos não teriam nada a dizer, ou pelo menos nada de útil, pois só diz isso quem não foi lá ver.
Costumo dizer que vivemos como baratas nas frestas deixadas por duas rochas gigantescas: o sistema do Estado, e o poder econômico (ou seja: o poder dos proprietários de capital). Estes costumam falar como se eles fossem ou pelo menos representassem "a sociedade civil"; apresentam o Estado como um inimigo da liberdade, e liberdade, para eles, é naturalmente a liberdade de fazer negócios - inclusive com notícias. Liberdade que naturalmente (mas isso eles não dizem) só é possível desfrutar quando também se é proprietário de capital.
Por outro lado, o Estado se apresenta como "poder público". Como é que algo "público" não é "da sociedade civil"? De onde surgiu a diferença entre "público" e "civil"? De onde surgiu a idéia de que o Estado é inimigo da sociedade, e não seu servidor?
Não é possível aprofundar esta questão agora, mas cabe dizer: historicamente o Estado tem sido mesmo, em grande parte do tempo, uma força opressora da população - mas o poder econômico não-estatal nunca foi menos.
E mediante uma invenção chamada "democracia", que até hoje não foi plenamente implementada em nenhum lugar, nós povo em geral já temos pelo menos em teoria o direito de decidir os rumos do Estado; já os rumos do capital privado, por definição não teremos nunca o direito de decidir (a não ser no dia em que decidirmos em conjunto que ele não é mais privado...)
Vale a pena ler o livro Liberalismo e Democracia, de Norberto Bobbio, para entender que esses dois termos, ao contrário de serem duas faces da mesma moeda, são no fundo conceitos antagônicos, que a muito custo foram acomodados num sistema só, que por causa disso funciona em permanente tensão e ameaça de rompimento.
Numa comparação talvez um pouco arriscada, mas creio que passável, podemos dizer que democratas tentam fazer da coletividade humana uma cooperativa, onde "um homem = um voto", independente do capital que traz, enquanto que "liberais" a entendem como uma sociedade por cotas (ou ações), em que a quantidade de votos de cada um é proporcional ao capital que colocou na sociedade.
Ou de modo bem simples: para o "liberalismo", manda na sociedade quem tem mais, e "liberdade" significa que ninguém se meta nisso.
E no entanto... por razões históricas tais liberais tiveram que fazer acordo com os democratas, e deixar que o Estado funcione, pelo menos aparentemente, ao modo democrático: "um homem, um voto". O que naturalmente pode pôr em risco os seus interesses como proprietários de capital.
Mas "felizmente"... com dinheiro é fácil montar um grande sistema de "informação" que "ajude" os pobres desprovidos de capital a "formarem sua opinião" (pois é óbvio que não tendo capital também não tem miolos próprios na cabeça, não é mesmo?)
Acreditem ou não, não sou propriamente marxista... mas esse é um fato objetivo cru: a "liberdade de imprensa" do liberalismo significa a liberdade de manipular as cabeças dos desprovidos de capital para que, mesmo sendo mais numerosos, não atrapalhem os interesses dos proprietários de capital através do voto ou de outras formas de participação política - e seus apelos à "liberdade democrática" têm significado sempre: "e que ninguém se meta nisso".
3. COMO PODERIAM FICAR A LIBERDADE DE OPINIÃO
E DE EXPRESSÃO NUMA DEMOCRACIA VERDADEIRA?
Quem são, afinal, os sujeitos cujas opiniões em conjunto constituem democracias? Empresas jornalísticas podem ser? Mas então por que não, também, os supermercados, as igrejas, as empresas de aviação?
Para que "democracia" seja possível, em última análise só deveria haver um tipo de sujeito político: indivíduos humanos. Com igualdade de oportunidade de expressão.
Mas concedamos que indivíduos possam se organizar coletivamente em torno de posicionamentos políticos tidos em comum: surgiria com isso um tipo de organização cujos fins são especificamente políticos,
... sem serem ao mesmo tempo econômicos, educacionais ou quaisquer outros - pois o objetivo da política é o bem de todos, e não os interesses deste ou daquele setor de atividade, ou desta ao daquela tendência de pensamento.
É preciso detalhar isto um pouco mais:
O material básico de uma democracia são opções individuais. É claro que o indivíduo pode optar por ter um posicionamento igual a de outros, e a formar um grupo com esses outros para defender os posicionamentos que têm em comum. (Ainda aí segue não existindo propriamente uma "opinião do grupo": o que existe é uma resultante - ou soma vetorial - de opiniões de pessoas).
Então: se um tal grupo é formado em torno de opções políticas, e quer defender opções políticas coletivamente, esse grupo precisa ser identificado como partido político.
Partido político seria portanto o tipo de organização que se empenha em mostrar que determinada opinião ou conjunto de opiniões é boa para o bem de todos, e que se esforça por conseguir o apoio mais amplo possível para implementar o que essas opiniões propõem.
Toda organização que tem essa finalidade se caracteriza de fato como partido político e deveria também estar caracterizada de direito.
Pois para que a democracia não seja prejudicada, não pode haver mais de um tipo de organização dedicada à expressão grupal de opção política: só pode haver o tipo claramente identificado como tal (como grupo de atuação política) e que tenha plena responsabilidade pública como tal (- ou seja: do qual seja possível e fácil cobrar as conseqüências de sua atuação política).
 Por isso,  a constituição de partidos políticos deve ser fácil, descomplicada e ilimitada em número. Pois não se trata de restrição aos conteúdos: apenas disciplina quanto à forma.
O conteúdos das opções dos indivíduos humanos são variadíssimos, mas a forma básica do ser humano é uma só. Ninguém vai julgar opressivo que se diga que apenas seres humanos são sujeitos políticos individuais, e não também os cachorros, as cadeiras, os relógios ou as gotas de chuva. Só há um modelo de sujeito político individual, e só deve haver um modelo de sujeito político grupal; sua liberdade de constituição deve ser total, e a liberdade dos conteúdos de suas propostas quase total (limitada apenas pelo Estatuto Fundamental da Humanidade - ver a postagem de 27/01/2008). Mas a forma de constituição tem que ser uma só.
Isso significaria que nenhum grupo que não seja partido político pode manifestar opinião política como grupo - embora nada impeça que seus componentes a manifestem como indivíduos, assinando embaixo cada um com seu nome. Nenhuma igreja, nenhuma corporação profissional, nenhuma associação e sobretudo nenhuma empresa - que é organização constituída em torno de finalidades econômicas - pode manifestar opinião política -
... e igualmente, nenhum desses tipos de organização pode exigir algum tipo de alinhamento político de seus integrantes: o único tipo de grupo constituído por razões de alinhamento político tem que ser o que foi designado acima como "partido" (cuja pluralidade e liberdade e facilidade de constituição têm que estar garantidas, como também já foi dito).
Isso não é restrição à liberdade? Sim e não: é restrição apenas à liberdade de destruir liberdades - à liberdade de dominação - e portanto é garantia da máxima liberdade sustentável, que é a do equilíbrio ótimo entre o individual e o social (mais uma vez conforme o Estatuto Fundamental da Humanidade e também conforme o artigo Bendito Eixo no Bendito Caos, os dois em <www.tropis.org/biblioteca>).
4. ALGUNS ASPECTOS PRÁTICOS NO CAMPO "IMPRENSA"
É evidente que precisaria ser proscrita essa instituição clássica do jornalismo que se chama o editorial - que sempre foi uma forma de alguns indivíduos fazerem suas opiniões pessoais passarem por opiniões coletivas. Precisamente as mesmas opiniões podem estar impressas no mesmo lugar, porém assinadas com os nomes pessoais de todos os que participaram da redação - tanto os de quem emitiu opiniões quanto os de quem as escreveu, e, havendo divergências, com a identificação de quem fez o quê.
Liberdade de expressão não é só a de dizer, mas também a de não dizer: entre outras coisas, que ninguém jamais tenha que escrever opinião de outro porque foi pago para isso! Se o fizer, deve estar registrado o nome do autor da opinião, o nome do redator, e as divergências que o redator porventura tenha com as opiniões que teve que escrever.
O uso de ghost writers deve ser tipificado como crime, salvo nas condições explicitadas acima - pois configura claramente, na relação com o redator, uma expropriação da humanidade do outro (isto é, de seu direito de opção) mediante a exploração de sua necessidade de subsistência,
... e, na relação com o leitor ou ouvinte, uma tentativa de manipulação pela simulação de qualidades que não se tem, mas que podem ser fingidas mediante o poder econômico de que se dispõe.
Duas formas graves, portanto, de abuso do poder econômico.
Chamar a si mesmo de "formador de opinião" equivale à confissão de um crime contra a democracia. Somente o indivíduo pode formar sua própria opinião.
No entanto, a mera modulação de "formador" para "informador" é capaz de inverter tal sentido, passando a designar um serviço não apenas útil como também indispensável à democracia: afinal, o indivíduo precisa ter informações à sua disposição para que possa formar sua opinião própria.
A atividade dos informadores de opinião deve porém estar sujeita à lei da pluralidade e à da igualdade de oportunidades.
A principal razão disso é o fato de não existir descrição de fatos que seja puramente objetiva: alguma medida de opinião está sempre embutida já no modo como vemos as coisas (selecionamos inconscientemente os detalhes que vemos e os que deixamos de ver), e obviamente também no modo como repassamos a informação.
Por isso ninguém deve ser exposto a informação proveniente de uma fonte sem que no mesmo ato lhe seja oferecido acesso a informações provenientes de outras fontes. Órgãos de imprensa complexos deveriam buscar oferecer diversas versões já em cada notícia, e tratar de não privilegiar nenhuma dessas versões no processo de edição -
... além de reservarem espaço para a publicação de todas as informações que lhes sejam enviadas posteriormente em contestação a essas versões. (Isto é, não é necessário que se publique o texto integral de todas as manifestações, mas que se registre quantas vezes uma determinada informação ou posição foi manifesta, e que sejam identificados e arrolados os detalhes diferenciais nas diferentes manifestações).
5. O CAMPO ONDE A OPINIÃO É LEGÍTIMA
Resta lembrar aqui que aos indivíduos e aos partidos políticos a manifestação de opinião é totalmente livre (unicamente com a ressalva prevista no Estatuto Fundamental da Humanidade, ou seja: que não se possa advogar a destruição da própria liberdade) –
... e uma das (não muitas mas fundamentais) funções que deveriam caber a um Estado democrático (ou a alguma formação melhor que "Estado" que lhe venha a fazer as vezes no futuro) é justamente a de garantir que nenhum cidadão tenha menos oportunidade de fazer suas opiniões circularem do que qualquer outro.
Na nossa época isso começa a ser tecnicamente factível pela primeira vez mediante a internet (olha nosso blog aqui!) - e mesmo que a internet não tenha sido uma iniciativa do Estado, sua importância para uma verdadeira democracia é tão grande que cabe sim ao Estado ajudar a preservá-la, de dois modos: (1) não atrapalhando; (2) impedindo que poderes econômicos tentem restringir a universalidade do seu uso.
Por outro lado, já disse que fundar partidos políticos deveria ser extremamente fácil - e mesmo assim o Estado deveria garantir a todos eles condições equivalentes de divulgar suas idéias, não só oferecendo recursos aos pequenos, mas também sendo a única fonte de financiamento dos grandes.
E aqui há um detalhe importante: é um absoluto contra-senso lógico que partidos recebam dinheiro e/ou tempo de divulgação proporcionais às conquistas já realizadas (p.ex., número de cadeiras já conquistadas no legislativo - se é que cabe manter esse modelo de representação). É um contra-senso pois se trata de um sistema de feed-back positivo, o que qualquer pessoa com noções rudimentares do funcionamento dos sistemas sabe que leva a distorções sempre crescentes  e finalmente à destruição do sistema. No caso político, tal "dar a quem já tem" é uma forma escandalosa de garantir que o presente seja sempre governado pelo passado, ou de evitar qualquer verdadeira renovação.
Se parece extravagante que o Estado gaste para que um pequeno partido de, digamos, vegetarianos, tenha a mesma oportunidade de divulgação de suas idéias que qualquer outro partido tradicional, devemos pensar que se trata de investimento na manutenção e aperfeiçoamento de um dos maiores bens que a humanidade já conquistou: a democracia.
E por outro lado, aqueles que considerarem que as propostas acima são restrições inaceitáveis à liberdade de expressão, esses estarão confessando com isso que seus apelos ao nome "democracia" são hipócritas: que o que querem é seguir dominando e manipulando por fora das regras de qualquer jogo que seja efetivamente democrático.
São esses, afinal, os que voltam sempre com a cantilena de que "o povão" não tem condições de decidir, por esta ou por aquela razão – enquanto eles supostamente teriam essas condições, de decidir por si e pelos outros. Tenho certeza absoluta, porém, de que no momento em que houver circulação livre, igualitária e abundante de toda pluralidade de informações, as fantásticas qualidades matemáticas dos grandes números farão do conjunto de todos os Zés, Manés e donas Marias um colegiado infinitamente mais sábio em suas decisões do que o conjunto de proprietários de órgãos de imprensa, mesmo se acrescido de todos os doutores em Ciência Política do país.
Ou, se não mais sábio, pelo menos - devido a fragmentação e à neutralização mútua dos interesses - muito menos imoral.

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As palavras & idéias contidas aqui podem e devem ser reproduzidas, desde que claramente mencionados o autor e a fonte, com link.

5 comentários:

  1. Existe o que se chama “democracia radical”?
    – Comentário ao Liberdade de Imprensa, DEMOCRACIA e Liberdade de Expressão (itens 1 e 2) de Ralf Rickli


    Prelúdio

    O que significa, exatamente, uma “democracia expandida até seu limite máximo”? Se algo é radical, isto é, se vai até suas raízes, uma democracia radical não seria plutocrática, tal qual a ateniense?

    Se definirmos democracia como algo mais que a ordem da maioria, mas algo que pressupõe a existência de uma minoria, então a democracia é mais do que um fazer valer majoritário. Além de seu fim, ela depende de um meio, processo dir-se-ia que consiste numa “regulação de conflitos”. Se “a guerra nada mais é que a continuação da política por outros meios”, como poderia atestar Clausewitz, a democracia é a possibilidade da política sem a guerra.

    Informação democrática

    Podemos concordar que a imprensa, para aqueles que defendem alternativas a sua relação com a democracia, não é democrática. Sim, mas a alternativa não passa por uma regulação (estatal) da própria imprensa. Assim como segue o raciocínio de que para a democracia se faz necessário “mais democracia”, uma “democracia radical”, para a imprensa vale a mesma medida, mesma posologia. A solução para a tendenciosidade, desinformação, manipulação não é um controle sobre a imprensa existente, mas justamente, “mais imprensa”, mais veículos de informação discrepantes que venham a traçar uma salutar competição interna que expresse os dissensos externos.

    Didaticamente falando, soluções para o oligopólio da informação brasileira, rádio e TV não consistem no monopólio da informação tal como se vê na Venezuela de Chávez.

    Seguindo a mesma lógica, se os “detentores de capital” têm maior liberdade que os não detentores, qual a solução? Ou se estatiza ou se privatiza? Esta é uma falsa questão e o mundo não acaba aí. Evidentemente que nossas privatizações, não raro, substituíram modelos monopolistas públicos(sic) por modelos oligopolistas privados, o que significa trocar seis por meia dúzia. Por outro lado, se não há gradação entre o que é publico (ou se é estatal ou não é), o mesmo não vale para a esfera privada. Podemos ter 51% das ações de uma empresa nas mãos de um único grupo ou podemos ter seu capital “esfarelado” por mais acionistas. Da mesma forma podemos ter várias empresas descentralizadas competindo num mercado de informações e é aí que reside alguma “democratização da informação” como produtor da mesma e não meramente como consumidor desta.

    Somos indivíduos, somos opressores

    Patrimônio público também são as forças armadas. Por seu turno, civil não é militar. Trocando em miúdos, se “ser civil” é um atributo público (e privado), nem tudo que é público pode ser civil. A questão é de como se estrutura o “público” e de como se é civil. Mas, isto depende do meio de cultura em que se insere. Evidentemente, em um país como o Brasil, “público” não quer dizer, necessariamente, propriedade comum ou bem de todos, ainda mais quando levamos nossa tradição patrimonialista em consideração, na qual ocorre uma apropriação (não capitalista) de um bem coletivo de forma ilegítima e por vezes ilícita. Já “civil” em paises como os EUA incluem tantas obrigações quanto direitos. Diferentemente daqui, civil não é passe livre para um “deixa estar” ou “deixa sangrar”... Ser civil inclui ter ordem. Muitos tomam esta palavra como o oposto de liberdade, o que não é verdade. Podemos ter uma ordem livre que se oponha a um caos livre. Isto não significa um simples jogo de palavras, uma mera discussão semântica. Como exemplos teríamos a discrepância entre uma ideologia anarco-punk e o pensamento liberal.

    Se “o Estado tem sido mesmo (...) uma força opressora da população” e “o poder econômico não-estatal nunca foi menos”, então, com a permissão do sofisma, a opressão é um meio de relacionamento normal. “Estado”, “poder econômico” são categorias analíticas coletivas e se pautar por elas implica em adotar um método onde a esfera da ação individual fique imersa nestas próprias categorias anulando os indivíduos, sua existência e ações reais. As categorias coletivas só existem porque existem indivíduos e não o contrário. Quando se fala em “estado”, “poder econômico” se suprime o que há de real, a saber: indivíduos, ações e interações. Reitero, o que temos que focalizar não é a categoria coletiva, que não passa de um efeito, mas sim suas causas, isto é, a ação e interação individuais. A partir desta premissa podemos ver que há sim dominação, opressão, luta, guerra e toda sorte de manipulações, mas também há cooperação, parcerias, associativismo, concorrência etc.

    Quando descemos das nuvens da abstração para a concretude do chão, quando deixamos de falar em nomes que representam grandes números e vagas imagens para o aqui e agora, pessoas e lugares, datas e episódios é que compreendemos que o mais simples nos leva a entender o mais complexo e, não o contrário. A história da humanidade não é uma história da luta de classes, nem uma história de opressão, opressores e oprimidos. É uma história de indivíduos em que opressão e libertação caminharam juntas e, não raro, de mãos dadas. Luta é a palavra tomada como intermezzo, enquanto que na verdade é a própria perenidade.

    Definições e equivalências

    A “invenção democrática” não foi implantada, efetivamente, em nenhum lugar? O socialismo, tal qual concebido, também não o foi. So what? O que propomos? Que se pense a democracia não enquanto projeto ideal, mas enquanto realidade. Ao invés de partirmos de uma análise lamuriosa, com um wishful thinking pessimista da “democracia que poderia ser”, tal qual se faz com o socialismo, o que deveríamos fazer é analisar a democracia que aí está, tal qual se faz com o capitalismo. O projeto utópico implica em revolução, que sempre nega o dissenso. O realismo reformista parte do pragmatismo com um plano viável e objetivos exeqüíveis. Melhor seria pecar pela humildade da construção social tentando adequar interesses muitas vezes díspares do que pelo excesso, cujas externalidades podem nos colocar sete palmos abaixo do chão.

    Não se pode contribuir para o objeto de paixão com argumentos, igualmente, passionais.

    Democracia não é antônimo de Liberalismo, mas de Ditadura. Liberalismo é sim antônimo de Socialismo, dada a conjuntura histórica entre os séculos XIX e XX. A primeira oposição parece óbvia, a segunda nem tanto, mas se nos atermos a questão da Propriedade Privada vs. Propriedade Estatal fica claro entender por que. A propriedade privada evoluiu historicamente, mas não num sentido linear. Vez por outra seu direito reflui, como foi o caso do Medievo e das Revoluções Socialistas. Daí que toda sorte de totalitarismos, seja teocrático ou marxista corrobora para o ataque a liberdade, inclusive a de ter propriedade.

    Voltando a questão da informação, a propriedade de “manipular cabeças” é a mesma liberdade de manipulação existente entre humanos, seja num clã, tribo ou agrupamento mais complexo. Esta “tirania” não tem “fim” senão pelo próprio contrapeso de outras “manipulações” dadas democraticamente. Como uma doença crônica, ela nunca tem fim, mas pode ser administrada, controlada até. A questão é menos do sentido de manipular do que do direito de manipular, exceto se alguém acredita em total isenção de valores. Crer em um mundo de pessoas neutras e com o mesmo sentido de valores me parece mais um sonho de uma “sociedade técnica”, algo que agradaria Comte ou Spencer.

    (Continua...)

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  2. Puxa, Anselmo... obrigado por se dar o trabalho de responder com tanta atenção aos meus delírios!!

    Como você mesmo disse que vai continuar... aguardo.

    Apenas esclareço desde já que me permito, sim, pensar COMO SE do zero. (E você com certeza conhece a expressão que destaquei).

    Não, nada na estrutura lógica das coisas nos atrela à tradição que tivemos. Estar atrelado a ela é mera opção. Trata-se de realidades a que NADA confere realidade se não o imaginário humano, e hoje já descobrimos que TEMOS o poder de sonhar outras. Que nunca se imporão sozinhas, claro, mas que se número suficiente de pessoas ousar assumir tal liberdade de pensar criativamente... não deixará de acontecer sim, alguma influência sobre o sabor total da sopa.

    Entre outras coisas, o fato de a palavra "democracia" ser grega de modo nenhum me obriga a usá-la com referência à tradição política que passa pela Grécia - tão pouco quanto usar o nome científico Theobroma torna o cacau uma planta grega. Se há correntes culturais que eu realmente invoco no meu ato de pensar, não são as que chegaram nestas terras pelo Atlântico.

    Que a história e mesmo a biologia tenham até hoje sugerido que a opressão é uma constante... isso absolutamente não nos obriga a aceitá-lo. TEMOS o poder de resolver fazer diferente - tanto quanto temos o de, p.ex., evitar a concepção no sexo y otras cositas tales. De resto, só pode desejar que a opressão continue em existência quem tem a intenção de se aproveitar dela...

    ... e nada mais NATURAL, nesse caso, que meu espírito se compraza em desejar com todas as suas forças que semelhantes pessoas caiam precisamente sob a opressão que propugnam... Caiam sem mais conseguir se levantar e tenham ampla oportunidade de conhecer nas suas bocas o gosto do pó, que impuseram a tantos.

    Não, não que seja esse o caminho que eu antevejo (falta aqui ao português o verbo envisage para a sociedade. Trata-se é de um... sentimento poético. "Poetic justice", dizem lá eles... Afinal, em nenhum momento prometi ser santo quanto aos meus sentimentos - sobretudo quando frente a outros sentimentos (precisamente isso: sentimentos, cobiças - apenas disfarçados de razão) que de santos não têm nada.

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  3. Grato colega,

    Observei teu texto por uma dica de teu amigo, Daniel Plácido.

    Atenciosamente,

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  4. Igualmente grato! Com certeza para lá do impacto inicial da diferença de ângulo, tenho muito a aprender dos seus comentários (concordando ou não) - ou no mínimo eles serão utilíssimos como instigação à busca de clareza sempre crescente na expressão de pensamentos que procedem mais que tudo de uma espécie de certeza interior intuitiva... expressão essa que, reconheço, ainda está longe de suficiente - ainda longe de fazer jus à riqueza da imagem interior!

    A propósito, sou grato ao Daniel por esse gesto que está fazendo com que, de um modo ou de outro, o meu trabalho esteja sendo lido e pensado por alguém... E nem me oponho que ele mostre a você a resposta que acabo de mandar a ele sobre a sua postagem.

    Abraços!

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  5. Desculpe pela demora Ralf...







    Existe o que se chama “democracia radical”? – II
    – Comentário ao Liberdade de Imprensa, DEMOCRACIA e Liberdade de Expressão de Ralf Rickli


    Indivíduo vs. Grupo

    Não entendo democracia como tendo apenas indivíduos enquanto categorias de poder. Em última análise, são eles que exercem sua “voz política” e nada impede a associação ou agremiação para efetivarem maior volume e serem ouvidos. Mesmo que seus interesses sejam individuais, em última instância, a junção destes não anula suas particularidades.

    Não existe isso que pressupomos “interesses políticos” em separado dos interesses econômicos. Fazer política abrange efeitos e causas que também são econômicas. Por certo que ocorre desigualdade entre os agentes políticos, em termos de força econômica e, por estas e outras, é que as associações políticas visam equilibrar o jogo. Sindicatos, assim como partidos são exemplos de agremiações que fazem valer seus interesses tornando o remédio, não raro, mais amargo que o mal que aflige o sistema como um todo. No entanto, limitar a ação política à esfera individual tão somente criaria um sistema onde somente indivíduos, mais fortes economicamente fizessem valer somente seus interesses.

    A força individual se manifesta quando há escolhas e uma delas pode ser a associação por interesses comuns. Por isto penso que para limitar uma “ditadura de partidos”, outras formas de representação política complementares têm sua razão de ser, como as associações civis, organizações não governamentais etc. O perigo não reside nelas, mas em sua dependência da tutela estatal, como é o caso clássico dos sindicatos após Vargas. Daí que enxergo como perigo à democracia, o “filtro” dado pelo poder burocrático. Mesmo assim, viver num mundo sem burocracia equivale a viver numa sociedade tradicionalista ou dependente de um poder meramente carismático.

    Já acreditar num mundo de indivíduos políticos e associações (empresas, sindicatos, igrejas) neutros significa pensarmos que a partir do momento em que nos comunicamos, a política deixa de existir. Proibir, portanto, a orientação política de qualquer uma dessas associações implica em omitirmos seu caráter, ocultando-o da forma real que pode assumir. Melhor do que negar a força lobista é assumi-la de vez para, inclusive, saber com quem lidamos sem nuvens que ocultam a relação entre ações e interesses.

    Se a negação de toda e qualquer agremiação como pressuposto para atividade libertária individual e radical fosse válida, sem corrermos algum risco de sofrermos “dominação” teríamos que acreditar igualmente que não existe nenhuma forma de dominação entre indivíduos, mesmo que psicológica.

    Quem fala?

    Pode se tipificar como engano, uma opinião de editorial jornalístico por ser a individualidade se fazendo passar por consenso. Se fôssemos sempre obrigados a expressar opiniões de grupo como individuais, da mesma forma que pretendemos preservar a liberdade individual, estaríamos exercendo a liberdade de oprimir uma opinião formada por consenso. E, afinal, ele é possível.

    Querer que todos passem a se expressar somente em nome de sua individualidade, como se isto fosse um expediente suficiente para combater alguma forma de dominação coletiva significa atentar contra a formação de livre-empresa que deriva da própria liberdade individual. Vejo aí um zelo muito acirrado contra o “poder econômico”, mas não contra a burocracia estatal que regularia aquele. Ou seja, um poder político e econômico muito maior.

    “Quem fala é chefe!” É verdade. Tanto na tribo quanto na urbe. Ocorre que essa assimetria das relações sociais se não é natural, ela é estrutural em qualquer sociedade, a ponto de uma sociedade não existir sem líderes. Penso que a questão é menos de impedir a formação de lideranças do que limitar seu poder. Prefiro pensar em um sistema com contrapesos ao poder do que existe a simplesmente anular a premissa de existência do próprio poder sob risco de criar outro, mais abrangente ainda.

    Sim, qualquer informação embute já sua própria visão de mundo, se não total, ao menos parcial. De carta a uma ex-aluna:

    Um falecido congressista nacional, Roberto Campos, dizia que "ser patriota não é ser populista"... Analogamente, ser um professor adorado não, necessariamente, é ser um bom professor. Tive colegas quando dava aula no Anglo de Santos que "detonavam", suas aulas eram shows. Mas, no ano seguinte, o aluno mais tarimbado que tinha levado pau no vestibular e, portanto, começara a ler a apostila (!) notava que faltava uns detalhezinhos, como p.ex., um negócio chamado "matéria". Digo sisto porque ensinar não significa introjetar minha opinião, mas debulhar dados e interpretações para, daí sim, de posse de tudo isto, cada um, cada aluno poder, finalmente, escolher seu próprio caminho. E cabe ao professor, para manter sua honestidade, dizer "qual é a sua". Difícil não influenciar, mas ele ou ela devem mostrar que têm uma opinião como a de qualquer outro, que são humanos e ...falíveis.

    Perdoe-me, mas vou me estender um pouco aqui porque acho importante e não quero deixar dúvidas. Eu não sou santo, não sou neutro e não sou imparcial, M-A-S isto não significa que eu deva perder um trocinho chamado objetivdidade de vista quando estou em sala de aula. Um psicólogo, p.ex., que em sua infância sofreu abuso sexual, dificilmente poderá se manter "neutro" ao estudar isto, mas seu método de análise será discutido objetivamente por seus colegas. De preferência, sem ninguém saber do ocorrido... Por exemplo, quando estive no Etapa dando um troço chamado "atualidades" para os alunos, tive um módulo sobre a guerra ao Iraque em 2003, o 1º ano desta segunda campanha no Golfo. Coloquei, no mínimo, dois pontos de vista e tecemos considerações etc. Cobrei, como combinado com a coordenação, uma redação em que o aluno poderia optar por "apóio os EUA contra Saddam Hussein" ou "Hussein está certo e os EUA não têm moral na questão" ou, enfim, "em termos". (Prefiro o jornal Estadão, mas a Folha na seção "debates" tem artigos com dois ou três pontos de vista sobre assuntos polêmicos. É um bom exemplo do que acho que deveria ser feito em sala de aula. Para concluir, colhi opiniões diversas, isto é, favoráveis à guerra, desfavoráveis, intermediárias, mas teve uma (esta não vou esquecer) que fui obrigado a zerar. Uma frase inesquecível era "Bush atacou o Iraque para vingar seu pai que teve uma treta com Saddam no Vietnam..." Nota final: DEZ em originalidade, no entanto, a redação não era sobre humor...

    Difícil, né? Mais fácil falar sobre massas de ar!

    Abraço,
    a.h


    Analogamente, não são os órgãos de imprensa que nos devem fornecer vários pontos de vista simultânea e individualmente, mas sim que sua somatória possa nos oferecer um leque com o maior número de pontos de vista possível.

    Vejo isto como perfeitamente possível numa época que os meios de comunicação se intensificam, o que não seria possível sem o avanço da tecnologia de redes de comunicação dada, principalmente, por uma empresa como bem poderia atestar Bill Gates. Este homem fez mais pela democracia e pela comunicação que um estádio repleto de filósofos e legisladores. Fez mais pela humanidade que Madre Tereza de Calcutá.

    Não devemos cair nas armadilhas da reputação humana e sim observarmos suas ações. Contra-poder é poder, mais informação pressupõe mais atores em jogo, mais disputa, o que é, antes de tudo, uma luta mais igualitária, mas sempre uma luta.




    Atenciosamente,

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