AS TRÊS ORDENS DA LIBERDADE
- por que não são iguais os direitos reivindicados por gays e por religiosos 'fundamentalistas' -
- por que não são iguais os direitos reivindicados por gays e por religiosos 'fundamentalistas' -
Ralf Rickli - 25.06.2011
Versão 2: 31.01.2012
Versão 2: 31.01.2012
A direita religiosa, tanto evangélica quanto católica, tem se oposto à criminalização da homofobia (PLC 122) dizendo que isso seria uma interferência no princípio democrático da liberdade de religião, e que os gays não podem ter mais direitos do que eles, religiosos conservadores.
Infelizmente, de modo geral o outro lado (não só gays mas defensores da liberdade-de-ser em geral) só tem conseguido gritar "retrógrados! querem reviver a inquisição!", mas não tem sabido responder a esses religiosos com argumentos lógicos.
Na verdade, trata-se apenas de um caso particular de uma questão mais ampla, que se evidencia bem com este exemplo-limite: praticamente todos concordam que não se deve permitir propaganda nazista - mas por quê? Isso não é uma restrição à liberdade de expressão? Dizer que o nazismo incita a ações que vão contra a lei não é resposta suficiente, pois muitas pessoas que se opõem à propaganda nazista defendem que é legítimo se manifestar publicamente pela liberdade de uso de maconha - o que também é contra a lei. E também aqui essas pessoas provavelmente só saberão responder "ah, mas aí é diferente", sem saber dizer por quê é diferente.
Ou seja: a sociedade atual está sem critérios para fazer a mais vital das distinções para sua sobrevivência como sociedade.
É agradável ouvir que na pós-modernidade vale tudo, que deve ser proibido proibir... mas então por que proibir o estudante de Santo André de ter um arsenal em casa e alvejar as crianças do parque com chumbinho de pressão? Tá, então vale quase tudo - mas onde está a linha desse quase? Ela precisa ser clara, ou então ficaremos eternamente à mercê de arbítrios pessoais... que, sejam do guarda da esquina, sejam de um ministro togado, não passam disso: arbítrios pessoais.
LIBERDADES POSITIVA E NEGATIVA (primeira e segunda ordem) - Mas, ora... isso pode ser belamente enfrentado com uma pequena análise dos tipos de ação que a liberdade pode albergar - pois liberdade é sempre liberdade de agir (ir, vir, sorrir, beijar, dizer, pensar, são todos ações, mesmo que a última aconteça no espaço interno do psiquismo).
Porém tem mais: a natureza fundamental da liberdade é cada um poder determinar o seu próprio agir.
Quanto ao agir de outra pessoa... bem, se eu tenho minha liberdade ela também tem a sua própria, não? Então, sempre que tento dispor sobre a ação de outra pessoa eu estou não apenas exercendo a minha liberdade: estou também negando a liberdade de outro.
E aí, se considerarmos que é a minha liberdade que me faz cidadão, estou querendo ser dois cidadãos ao mesmo tempo, às custas de des-cidadanizar um outro, que também tem o direito de decidir sobre as suas próprias ações.
E se considerarmos que é a minha liberdade que me faz humano (para quem gosta da linguagem da religião: é a expressão da semelhança de Deus que existe em mim) estou tentando me fazer sobre-humano, valendo por dois (ou por 10 mil), às custas de desumanizar um outro (ou 9.999 outros) que têm tanto poder de decidir suas próprias ações quanto eu.
Então a liberdade de primeira ordem é positiva (do verbo "pôr") ou afirmativa: eu me ponho no mundo, me coloco com meu próprio modo de ser e agir, afirmo o "um" único que eu sou.
Mas quando quero determinar a vida de outro, estou dando um segundo passo: o primeiro havia sido me autodeterminar, o segundo é usar minha autodeterminação para negar a autodeterminação de outro. Por isso a liberdade de segunda ordem, que pretende ir além do passo de me autodeterminar, é sempre negativa.
Sim, sempre. E é possível extrair disso uma filosofia do direito completa, pois não é difícil demonstrar que todos os crimes - todos - podem ser descritos como imposição da liberdade de um de modo a transgredir a liberdade de outro. Se eu mato alguém, eu o faço morrer quando eu quero: estou transgredindo sua liberdade. Se tiro sua carteira, faço que o resultado das suas atividades pague o que eu quero e não o que ele quer: estou transgredindo sua liberdade. E se crio condições sociais em que ele se vê forçado a aceitar um salário indigno para não ver seus filhos passarem fome, estou fazendo precisamente a mesma coisa que se tomasse a sua carteira.
Bem, então não é difícil perceber que vivemos num mundo em que a liberdade de segunda ordem, ou negativa, predomina quase o tempo todo sobre a liberdade de primeira ordem, positiva, afirmativa. E a ideia de democracia só será realizada de fato quando liberdade significar o direito de afirmar sua própria autodeterminação, e não o de negar a autodeterminação de um outro.
LIBERDADE DE NEGAR A NEGATIVIDADE (terceira ordem) - Mas para parar a ação de um criminoso não é preciso negar sua autodeterminação? Impedir alguém de atirar num gay ou num desafeto qualquer não é uma negação da sua liberdade?
Sim... e não. Pois a liberdade de primeira ordem (positiva) é a de me afirmar; a liberdade de segunda ordem (negativa) é a de suprimir uma liberdade positiva de outro - e o sujeito que atira em outro já está exercendo uma liberdade negativa (de segunda ordem) ao tentando suprimir o direito-de-ser do primeiro. O que vou fazer ao impedi-lo de atirar é um ato de terceira ordem, um ato de negar sua negatividade. Eu, como terceiro a entrar em jogo, vou negar ao segundo apenas o "direito" (torto) de negar ao primeiro o seu direito primário legítimo de existir e ser como é.
E a negação de uma negação significa a restauração da afirmação original, que estava sendo negada (razão pela qual também podemos chamar a liberdade de terceira ordem de reafirmativa).
Vejamos: Maria tem o direito primário de ser como é. Maurício quer negar esse direito de Maria. Se eu nego a Maurício a liberdade de negar o direito de Maria, o que estou fazendo é reafirmar o direito de Maria - e não é negar o direito primário de Maurício ser como ele é, para si mesmo; é apenas não deixar que ele destrua direitos alheios.
Então temos a Liberdade Positiva, de primeira ordem, direito de todo cidadão. A Liberdade Negativa, de segunda ordem, perversão do sentido da liberdade, e que não pode ser reconhecida como direito de ninguém. E a Liberdade de Negação da Negatividade, de terceira ordem, que encontramos em expressões tais como "restringir a restrição", "reprimir a repressão ou opressão", "excluir a exclusão", "não tolerar a intolerância".
Se quisermos uma sociedade livre, a liberdade de terceira ordem é mais que uma liberdade: é um dever, talvez a única coisa que precise ser considerada um dever, e a única que justifique o uso da força - pois é a Negação da Negatividade que garantirá a todos a condição de cidadãos, de seres propriamente humanos, ou (para quem gosta da linguagem religiosa) de indivíduos que respondem a Deus por si mesmos.
O famoso "monopólio do uso da violência" que, segundo Max Weber, caracteriza o Estado distinguindo-o de todas as outras instituições, só pode se justificar nesse sentido: que o Estado seja uma espécie de agente central de negação da negatividade (o que aponta para o maior de todos os problemas possíveis para uma Filosofia e/ou Ciência Política: como evitar que essa mesma força seja usada para a própria negação da liberdade, e não para o ato afirmativo da liberdade que é a negação da negação).
Voltando ao ponto de partida: a pregação das idéias do nazismo tem que ser contida pois é estímulo à liberdade negativa, a qual destrói não só as liberdades positivas como também toda possibilidade de democracia. A liberdade precisa se autoproteger reconhecendo-se como legítima só quando for de primeira ou de terceira ordem (ou seja: de afirmação ou de negação da negação).
E quanto aos gays, e à liberdade pretendida por alguns religiosos que é a de declará-los seguidores do mal, condenados por definição a tormentos eternos?
Não pode ser diferente: o que os gays pretendem é sua liberdade positiva, de primeira ordem, de apenas poderem ser quem são e como são, sem obrigarem nenhum outro a se modificar por isso. E a liberdade que os religiosos reclamam é tipicamente uma liberdade negativa ou de segunda ordem, que não pode ser reconhecida como um direito, já que é destruidora das demais liberdades.
Só que aqui entra o complicante do elemento "crença", de modo que a questão não se esgota tão simplesmente, mas envereda por outros capítulos que prefiro deixar para explorar em outro momento. Por hoje queria apenas compartilhar essa chave fundamental que é a distinção das três ordens de liberdade.
Em tempo: estes razoamentos fazem parte da Filosofia do Convívio, que venho elaborando lentamente ao longo de quatro décadas, embora só venha usando esse nome desde 2001. Ao lado de vários trabalhos por concluir, somando algumas centenas de páginas, existem alguns trabalhos introdutórios já publicados que posso sugerir a quem se interessar por entrar no baile (links as seguir). Nenhum deles usa esta nomenclatura das três ordens de liberdade, que está sendo introduzida agora, mas ainda que por trás de outras palavras as idéias são precisamente as mesmas.
RICKLI, R. (2007). BENDITO EIXO NO BENDITO CAOS - ou: em busca de um critério para o caos-de-critérios atual. 9 pp. Disponível em http://www.tropis.org/biblioteca/eixo-no-caos.pdf
RICKLI, R. (2008). MANIFESTO DO PLURALISMO RADICAL. 1 p. Disponível em http://www.tropis.org/biblioteca/manifesto-pluralismo-folder.pdf
RICKLI, R. (2008). LIBERDADE SOCIALMENTE SUSTENTÁVEL: uma introdução à Filosofia do Convívio e a algumas de suas aplicações. 35 pp. Disponível em http://www.tropis.org/biblioteca/libsocsus.pdf
[Não sei quem criou este aqui, mas é perfeitamente no espírito!] |
Mais uma bichona gayzista querendo dar ares de honestidade ao seu amor pela ditadura e a defesa incansável do seu movimento a destruir a liberdade de expressão alheia em nome da sacrossantidade da sua gayzice, meu caro, não adianta, você é um homem, gordo, feio e de idade, jamais será uma mulher.
ResponderExcluirVocês gayzistas são tão imundos que pensam que ninguém sacou a defesa à pedofilia gritante no seu movimento, acham que todos são burros, a bancada evangélica, que tanto tem gente de direita quanto governistas, e o grosso da população que votou em Lula e Dilma despreza a falsidade de vocês e a sua tentativa de impor uma ditadura gay sobre a consciência de sociedade, nada contra os gays, tudo contra GAYZISTAS como você.
Vc esta sofrendo, vomite mesmo, antes que morra com seu ódio e veneno. Tristeza.
Excluirconcordo com o Anonimo, aliás, a sua insistencia na palavra gay revela uma sedução pela coisa. Será que você quer é saír do armário? Porque eu sou hetero, tenho amigos e amigas gays. Amizade é pelo ser humano, respeito é pelo ser humano, não envolve orientação sexual. NO seu caso as coisas parecem se confundir....
ExcluirNão excluo o comentário acima para que se possa ver com que "qualidade" de argumentação os provocadores neofascistas estão atacando. Claro que poderia responder com fatos a cada uma das besteiras que a figura disse, mas obviamente não faria diferença.
ResponderExcluirMas é difícil não dar uma tristeza imensa por essa humanidade que despertou a avançou tanto no fim do século 19 e no 20... e a cada onda de avanço acabou sofrendo retaliações terríveis das forças do atraso: as 2 guerras mundiais, a onda de ditaduras dos anos 30, depois a dos 60-70...
Parece que passamos o século 20 sempre vendo no céu prenúncios de um alvorecer que traria felicidade inédita à humanidade... pra sempre alguém empurrar o sol para trás e trazer nova era de escuridão. sssssssssAI!
Quando li esse texto pela primeira vez, fantástico por sinal, imediatamente compartilhei com amigos - e recebi respostas deles, inclusive, parabenizando a você, Ralf, pelas palavras e pelo modo simples de colocá-las, através de mim. Mas queria mesmo era escrever uma mensagem de e-mail, e tendo me lembrado resolvi tempo depois vir até aqui pra isso.
ResponderExcluirEra simples o que eu queria dizer: "como é importante que você e outras figuras dessa nossa época tenebrosa, com suas experiências e perspectivas das coisas, sobrevivam a esse mundo... e escrevam!"...
Aí cheguei aqui e li esse primeiro comentário. Levei um susto. É certo [e saudável] que luz e sombra convivam, façam companhia uma à outra no mesmo caminho. Mas só consigo enxergar essas ideias [ou talvez a simples ausência delas] não como uma oposição a uma maneira específica de enxergar a vida, o outro, não como sombra ou luz, mas como trevas, escuridão completa mesmo... Cegueira total.
Não entendi muita coisa, mas se é para um bem comum eu apoio.
ResponderExcluirTexto de fácil compreensão, faltou leitura concentrada André. O texto está ótimo. Parabéns pelo texto Ralf e continue com a filosofia do convívio.
ResponderExcluirOlá, Ralf, realmente preciso tirar o chapéu para sua exposição, creio que muitas pessoas aprenderam bastante a respeito dos degraus da liberdade. São textos raros, que estão efetivamente em extinção.
ResponderExcluirSou religioso, cristão adventista do movimento de reforma, e por isso gostaria de deixar alguma coisa que possa ser interpretada como contribuição, pois foi preparada nesse sentido. Sua contribuição (se quiser responder) será muito bem-vinda para aquecer a polemica, num ambiente de respeito, como o que você tem demonstrado até agora ter em suas discussões de alto nível intelectual. Acredito que o fundamentalismo religioso que restringe a liberdade do gay de exercer sua sexualidade através de vários instrumentos não é sadia, nem preserva a liberdade positiva do indivíduo.
Sou missionário, portanto seguidor da Palavra de Deus. Posso e devo ter amigos gays, inclusive tenho gente de minha família que é gay. Nunca demonstrei ou mantive conduta que inferiu a eles que os tinha desprezado, ou relegado a segundo plano. Entretanto, por ser seguidor da Palavra esta condena o comportamento do gay, de se relacionar com pessoas do mesmo sexo. Não creio que esteja infringindo a liberdade dele (ou dela) ao mostrar o que a Palavra diz a respeito do seu comportamento, caso um LGBT me procure e solicite esclarecimento bíblico específico sobre sua escolha pessoal de sexualidade. Tenho um conhecido adventista que diz ter nascido gay, cresceu como gay, teve vários problemas psicológicos para poder assumir com coragem sua sexualidade diante de sua família, e depois de muito tempo decidiu voltar à igreja e se auto submeteu à abstinência da relação sexual gay. Disse-me que crê na Palavra, que a luta não é fácil, mas ninguém o pressiona, ele mesmo quer alcançar a benção que a própria Palavra promete àquele que se decide ao lado de Jesus. Disse-me que às vezes sofre recaídas, mas não desiste da luta mesmo assim.
O que é difícil para muitos de nós, Ralf, é separar o conceito bíblico da aceitação do indivíduo que é diferente. Isso é uma realidade. Muitos expressam seu preconceito usando a Palavra como uma autoridade que “endossa” suas atitudes. A Palavra torna-se ferramenta ou muleta de apoio para comportamento que gera juízo de valor a respeito de outrem. Isso nem a própria Palavra autoriza.
Sinceramente, você acha que a situação acima descrita seria neofascismo veiculado através de um fundamentalismo religioso? A PL 122 abrange esse tipo de situação, na qual uma autoridade religiosa (adventista, como no meu caso) não poderia expor a um LGBT a opinião da Palavra de Deus a respeito de sua conduta? Seria essa exposição caracterizada como “liberdade negativa, ou de segunda ordem”? até que ponto a PL 122 pode estender sua influência? São perguntas que deixo como provocação intelectual para um debate interessante, no qual gostaria muito de participar. Obrigado pelo post, amigo Ralf.