Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

08 abril 2011

O atirador de Realengo e a tragédia do fator BOIEQ

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24 horas foram suficientes para ver um mar de palpites e especulações sobre a causa da tragédia da escola de Realengo, mas ainda não vi quem tenha tocado no que para mim se revela como causa óbvia, gritante, com a leitura já da primeira linha da carta deixada pelo jovem atirador. Falo com o olho de quem é educador há décadas, especialmente de jovens em situações não-formais, e estudioso atento de psicologia e das 'counselling arts' também há décadas, embora sem formação oficial em psicologia - isso tudo sem falar de um background familiar totalmente imerso em religião e teologia.

Temos em Wellington Menezes Oliveira apenas (sem ironia) um jovem com dificuldades de socialização e com a própria sexualidade, o qual, em lugar de encontrar ajuda psicológica, encontrou uma religião veiculadora de discurso de demonização do sexo. A denominação ou denominações precisa(s) da(s) igreja(s) não importa(m), pois isso pode acontecer em QUALQUER uma das denominações cristãs, e também em algumas linhas não-cristãs.

O discurso de repressão e demonização da sexualidade nem sempre leva a ações concretas tão terríveis, mas SEMPRE leva a distúrbio psíquico destrutivo. O fato de ter tomado essa forma precisa deve decorrer da combinação particular de fatos de sua história pessoal, mas é extremamente improvável que tivesse chegado a tanto sem a participação do discurso repressivo da "pureza" - que emerge com força total já na sexta palavra da carta, e primeira com significação relevante.

Isso leva a um questionamento sério não desta ou daquela religião, mas, sim, da liberdade de acesso das religiões em geral às mentes em formação - pois a quase totalidade delas se dedica à repressão dos instintos e pulsões, e não à sua educação esclarededora e não repressiva (na própria linguagem religiosa: acredita em expulsar "demônios", quando até a umbanda entende a possibilidade de no lugar disso educar os "demônios").

Só escapam, relativamente, os setores influenciados pela chamada "teologia liberal", desenvolvida por gente com maior formação intelectual, capaz de entender sua própria vida religiosa em termos antropológicos, e as igrejas como lugares de busca humana pelo que seja o bem (a "vontade de Deus"), e não de revelação divina. Mas esses setores são a exceção, não a regra, geralmente desprezados pelos religiosos autênticos como "espiritualmente mortos", traidores da "verdadeira religião", e com frequencia eles mesmos "se micham" diante de questões mais polêmicas em benefício da preservação de sua instituição. Não se pode, portanto, julgar os efeitos do fenômeno "religião" na sociedade por essas "minorias esclarecidas", e sim pelas formas imensamente majoritárias.

Sendo assim, creio que pela gravidade de suas consequencias a religião tinha que ser tratada como o álcool e grande parte das outras drogas: não dá para negar a liberdade de acesso voluntário aos cidadãos adultos, mas é gravemente questionável que se permita o acesso da religião aos menores de idade - sendo que na verdade 18 anos para isso é pouco: o córtex pré-frontal, das decisões autônomas responsáveis, só vai se desenvolver entre os 21 e 25 anos.

O drama é que as religiões constituem o caso provavelmente mais frequente do que chamo o Fator BOIEQ - BOas Intenções EQuivocadas: acreditam-se com sinceridade portadoras de um caminho de salvação - assim como Hitler se acreditava - e mais: portadoras do único caminho de salvação, sendo que tudo mais leva à desgraça no tempo e na eternidade. E sentem-se portanto no dever de ensinar seu caminho em idade quanto mais tenra melhor.

E diante disso, quê fazer em defesa da sanidade mental das nossas crianças e futuros adultos, sem pôr fogo na sociedade pela reação enfurecida das multidões dominadas pelo Fator BOIEQ?

É aqui que quarenta anos de reflexão e 35 de prática param e olham em absoluta perplexidade.
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