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I. Acordo, pego um café e leio no UOL: "A proporção dos entrevistados que se autodeclaram brancos caiu de 50% para 37%, enquanto a dos que se dizem pardos aumentou de 29% para 36%."
É bom lembrar que, além de afrodescendentes mestiços, a categoria "pardo" acolhe também a maior parte dos índios e seus descendentes (mestiços e índios que não sabem que são).
Os dados são de pesquisa da Folha (instituto Datafolha) contraponteada com outra do IBGE - e mesmo sem querer fazer merchandising não posso deixar de sugerir que se compre a Folha deste domingo (23/11), pois o caderno especial contém mais material relevante de acesso exclusivo de assinantes uol/Folha do que é prático ficar salvando e compartilhando pela net.
Só mais um aperitivo: "Há 13 anos, quando o Datafolha fez a sua primeira grande pesquisa sobre o tema, metade dos entrevistados se definiram como brancos. Hoje, são 37%, percentual próximo ao dos autodeclarados pardos (36%). Os que se classificam como pretos representam 14% da população com 16 anos ou mais."
Quer dizer: autodeclarados brancos: 37%; autodeclarados pardos + pretos: 50%.
E ainda: "Para o sociólogo José Luiz Petrucelli, do IBGE, contribuiu para esse aumento o que ele chama de processo de revalorização identitária. 'O que antes não entrava nos padrões de beleza ou prestígio e era desvalorizado hoje mudou para se constituir em referência, até para poder usufruir de vantagens relativas', diz, referindo-se, por exemplo, a ações afirmativas que passaram a dar benefícios a pretos e pardos no acesso ao ensino superior."
II. Processo de revalorização identitária de 1995 para cá... Modéstia à parte, acho que também dei minhas pingadinhas de água com as asas, no incêndio que havia a apagar: quando comecei a trabalhar com educação dentro da população periférica, em 1993, senti que esse era o primeiro problema a ser atacado no Brasil - pois de quem está mal com sua própria identidade não tem como sair nenhuma revolução.
Justo de 1993 a 1998 esse foi o principal tema da minha atividade pública pessoal (quero dizer: além dos trabalhos de mera sobrevivência): vivia falando aqui e ali sobre a grandeza da história africana, e em 1994 (por uma sugestão da Ute Craemer!) escrevi O Dia em que Túlio descobriu a África. "O Túlio" só foi publicado em 1997, e ainda assim só 300 exemplares - mas tenho a satisfação de ter vários relatos de gente que parece ter encontrado seu eixo depois de ler o livro.
Claro que não estou dizendo que fui eu que fiz :-D ... Ao contrário: foi uma onda, um movimento histórico no verdadeiro sentido da expressão (que ultrapassa de longe os movimentos conscientemente organizados), que usou milhões de pessoas que se puseram à disposição para isso.
O que estou querendo apontar é a relevância de a gente buscar desenvolver o FARO PARA AS QUESTÕES QUE TERÃO IMPORTÂNCIA HISTÓRICA EM DETERMINADO PERÍODO - faro esse aplicado diretamente na realidade circundante, e não dentro dos livros - no mínimo porque quem só olha dentro dos livros tende a ficar míope, e quem fareja dentro deles corre o risco de ficar asmático (com falta de fôlego vital) devido ao inevitável mofo que o tempo ajunta a todos eles, sem exceção...
Com abraços calorosamente pretos & pardos,
Zé Ralf - trisneto da escrava Floriana Rosa do Espírito Santo
(e infelizmente sem pista de nome dos antepassados indígenas)
(e infelizmente sem pista de nome dos antepassados indígenas)
P.S.: Despachei a mensagem anterior e saí comprar a Folha - e aí tive a surpresa de encontrar não um, mas dois cadernos de importância fundamental, e de certa forma complementares (juro que não fui contratado pela Folha, rsrs): o caderno Mais consiste desta vez em um verdadeiro dossiê sobre Claude Levi-Strauss, que completará 100 anos dia 28.
O interessante ãqui são os termos em que a coisa está colocada: a chamada de capa começa: "O DESCOBRIDOR DA AMÉRICA - um dos últimos grandes pensadores vivos, responsável por desmontar as bases do colonialismo ocidental (...) completa 100 anos".
E na página 4: "Amparado em uma erudição monumental, Levi-Strauss inseriu o pensamento ameríndio no horizonte da filosofia do Ocidente, diz o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro."
À parte a imensa asneira jornalística (ato falho?) "um dos últimos grandes pensadores vivos"... (como se a humanidade estivesse 'progredindo' no rumo de parar de pensar, ou de só pensar pequeno...), tenho que admitir que os dois cadernos são de estudar por algumas semanas e arquivar para consultas o resto da vida - pelo menos no caso de gente apaixonada por esse tema como eu. (Qual tema mesmo? Bom, talvez um bom nome para ele seja A HUMANIDADE).
Bom fim de domingo & começo de semana a tod@s!
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